Esculturas hiper-realistas mostram cotidiano de quem dorme nas ruas de SP
Pouca gente nasce, cresce e morre na rua, dizem os defensores dos direitos humanos. Ninguém "mora" em calçadas: há pessoas "em situação de rua", da mesma forma que poderiam estar em situação familiar, hospitalar ou de lazer.
Também em situação de rua estão 15 esculturas hiper-realistas, todas construídas em escala humana. Parte da programação do "1º Festival de Direitos Humanos - Cidadania nas Ruas", as obras da exposição "Eu existo" foram criadas em oficinas com pessoas que convivem no albergue Pousada da Esperança, em Santo Amaro (zona sul).
A exposição, que já foi apresentada na avenida Paulista e na praça Roosevelt, segue até dia 25 de janeiro na Galeria Prestes Maia, no Anhangabaú (centro).
"Nossa grande provocação é essa: por que os bonecos chamam tanta atenção e as pessoas de verdade passam despercebidas?", pergunta a artista plástica Nani Silva, 27, que participou das oficinas.
Criadas coletivamente entre os dias 25 de novembro e 6 de dezembro, todas as obras têm nomes, apelidos e biografias detalhadas.
"Quando começamos a construir as histórias, o pessoal do albergue dizia: 'esse tem que estar ajoelhado agradecendo' ou 'esse tem que oferecer algo'. Todas as etapas foram coletivas, desde a posição em que aparecem até suas histórias de vida", conta a artista plástica Fernanda Vargas, 23.
BIOGRAFIAS
As histórias dos personagens mesclam experiências vividas pela população de rua.
Mariana, uma das bonecas, morava com os pais até descobrir-se homossexual. Quando soube da notícia, o pai a expulsou de casa. Logo foi parar na rua. "Agora não sabe qual será seu destino", diz Nani.
Outra escultura, a "grávida", aparece com um filho pequeno e uma barriga enorme. "Ela está quase em trabalho de parto", mostra o artista Wagner de Almeida, 35.
Por não ter endereço nem trabalho fixos, ela teme perder a guarda dos filhos quando der entrada na maternidade. "Essa foi a personagem que mais ganhou atenção de todos. O albergue é apenas masculino e a grávida foi construída a partir da perspectiva dos homens", diz Fernanda.
As esculturas de Suellen e Jackson estavam em frente à sede da companhia Parlapatões, na praça Roosevelt, quando foram vistos pela reportagem.
"Ela trabalha como prostituta na rua. Foi abusada na adolescência e hoje vive com um companheiro que conheceu num bar", diz Nani.
O parceiro Jackson estava deitado na calçada com uma garrafa de bebida. "Ela reclama que ele é bêbado, mas sempre diz que é apaixonada. Ele é alcoólatra e a ama. Não está nem aí para o que dizem dela."
Ao ser abordada pela reportagem, a aposentada Mara Lopes, 63, fez o sinal da cruz.
"Olha, eu senti um desconforto", disse, enquanto examinava Jackson dos pés à cabeça. "Vi um moço igualzinho quando saí de casa, mas passei reto."
"Queremos mostrar que as pessoas não são invisíveis. Elas têm histórias, são diferentes entre si. Estar na rua não é uma opção, mas uma condição que tem a ver com ene fatores. Quem está na rua hoje pode não estar amanhã. E amanhã pode ser um de nós na calçada", diz Wagner.