No auge das queimadas, Amazônia sofreu perda próxima ao do estado mais afetado da Austrália

Ministro Ricardo Salles afirma em rede social que país queimou muito mais que o Brasil

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São Paulo

Os incêndios que atingem a Austrália desde setembro e se agravaram no último mês colocaram o país sob os olhares do mundo, assim como ocorreu com o Brasil em agosto de 2019, com as queimadas na Amazônia.

Mas, ainda que as causas e as características das florestas sejam bastante diferentes, as áreas devastadas não são tão distintas. Principalmente desde agosto, mais de 52.000 km² foram queimados em Nova Gales do Sul, o estado mais afetado na Austrália. No auge das queimadas na Amazônia, entre os meses de agosto e setembro, o fogo consumiu 41.197 km², segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No total do ano, os incêndios no bioma brasileira atingiram 72.501 km².

Os incêndios em todo o continente australiano já consumiram cerca de 92.000 km².

O Programa Queimadas, do Inpe, mostra que, de janeiro a novembro de 2019, foram queimados 70.698 km² no bioma amazônico. O dado leva em conta a resolução de 1 km do monitoramento, considerada baixa e útil para análises gerais sobre fogo no país e queimadas que ocorrem não só em florestas, mas também em áreas de pastagens.

Os dados mostram que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicou informação incorreta em suas redes sociais. Ele divulgou um gráfico que comparava os tamanhos dos incêndios em diferentes países. Na publicação, o ministro diz que a Austrália queimou “quase 6 vezes mais” que a Amazônia. “Mas certas ONG’s e alguns jornalistas só se importam em falar mal de seu próprio país e, claro, sempre contra o Governo. Seletividade absoluta....”, escreveu.

A reportagem da Folha apurou que o gráfico usado por Salles foi feito por uma repórter de dados do portal Statista, uma plataforma de dados que usou uma reportagem da BBC News como fonte para informações sobre queimadas.

Após ser questionada pela reportagem, a BBC News confirmou que o tamanho da área queimada na Amazônia em 2019 estava errado em seu texto.

Os dados usados pelo ministro e pelo gráfico provavelmente são relativos a alertas de degradação por cicatriz de incêndios florestais do Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), também do Inpe.

Esses dados, porém, não foram feitos para comparações com outros países ou mesmo para medir áreas desmatadas ou incendiadas.

Ademais, o próprio Salles afirmou que o sistema Deter não deveria ser usado para medir área afetada por desmate no ano passado quando foi cobrado pelo aumento do desmatamento mensal apontado pelo sistema.

O Deter foi feito para auxiliar nas ações de fiscalização do Ibama para conter desmatamentos em andamento e apontar tendências antes do valor consolidado anual. Não há problemas, porém, em comparar os dados do próprio sistema (como a destruição em um mês comparada ao mesmo mês de outros anos).

Os dados do Programa Queimadas do Inpe, por outro lado, foram feitos em parceria com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais, do Departamento de Meteorologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), especificamente para detectar áreas queimadas, estejam elas em áreas de floresta ou não.

No entanto, tanto o Deter quanto o Programa Queimadas (resolução de 1 km) podem subestimar as áreas áreas queimadas, tornando ambos os valores imprecisos para comparações com outros países.

Além disso, as diferenças entre os biomas da Austrália e do Brasil (da Amazônia, no caso das queimadas), dificultam as comparações.

Os incêndios fazem parte do ecossistema australiano, onde mais de 80% das florestas nativas são compostas por eucaliptos e acácias. Em muitas regiões da Austrália, o fogo ocorre naturalmente, principalmente pela incidência de raios. A própria vegetação é muitas vezes adaptada e tolerante ao fogo, usando-o para regeneração, como no caso dos eucaliptos. Algo similar ocorre no cerrado brasileiro.

Ao todo, a Austrália tem 1,3 milhões de quilômetros quadrados de floresta que cobre cerca de 17% de seu território.

Indígenas australianos, historicamente, usavam o fogo para administração de terras, e incêndios planejados ainda são parte da realidade de proprietários de terra. A queima controlada é usada para evitar incêndios naturais maiores.

Já no caso brasileiro o fogo não faz parte do ecossistema amazônico, bioma úmido no qual incêndios não costumam ocorrer naturalmente.

As queimadas que ocorrem nos períodos secos da Amazônia —muito diferentes do clima majoritariamente quente, seco e propenso a estiagens da Austrália— em geral estão associados ao desmatamento.

Após derrubarem a floresta, os desmatadores usam o fogo para limpar a área.

No caso específico das queimadas de agosto, investigações das polícias Civil e Federal apontam que fazendeiros, madeireiros e empresários organizaram o “dia do fogo”, uma queima coordenada de pasto e de áreas em processo de desmate, na cidade de Novo Progresso, no Pará. Um dos objetivos seria inviabilizar a fiscalização ambiental diante da profusão de focos de incêndio.

Na Austrália, os incêndios nem sempre são naturais. A participação humana acidental ou proposital é fator importante das temporadas de fogo. Pelo menos 24 pessoas foram indiciadas pela polícia do estado de Nova Gales do Sul por intencionalmente começar incêndios, segundo a CNN.

Do ponto de vista humanitário, a situação australiana é muito mais crítica do que a do Brasil. Pelo menos 23 pessoas e milhares de bichos, como coalas, morreram.

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