Descrição de chapéu desmatamento

Na mira do governo, sistema de monitoramento de florestas brasileiro é caso único

Transparência e precisão de dados de desmate na Amazônia coletados pelo Inpe são modelo mundial, dizem especialistas

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São Paulo

Alvo de ataques do governo Bolsonaro, o monitoramento de florestas realizado no Brasil é diferente de outros que existem no mundo. Especialistas brasileiros defendem o sistema nacional como mais transparente, e a plataforma americana de referência o coloca como modelo.

O acompanhamento desenvolvido pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) é baseado em dois sistemas: o Prodes, que fornece desde 1988 dados anuais do desmatamento no país, e o Deter, com resolução de imagens um pouco inferior, que desde 2005 detecta destruição da floresta praticamente em tempo real e abastece autoridades como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

A iniciativa de monitoramento mais próxima da precisão e transparência oferecida pelo Inpe é a plataforma americana Global Forest Watch, projeto da Universidade de Maryland em parceria com o World Resources Institute.

De forma semelhante ao Inpe, a plataforma, a partir de imagens de satélite Landsat (que também são usadas pelo instituto brasileiro), permite que se observem as perdas de vegetação em diferentes florestas do mundo.

Em um dos artigos da plataforma, destaca-se o monitoramento do Inpe como base para o trabalho. Os autores afirmam que as informações ali observadas se assemelham aos dados do Prodes, “o mais longo banco de dados de registro oficial de desmatamento de uma nação”.

O modelo brasileiro tem duas vantagens, segundo os especialistas ouvidos pela Folha: (1) a especificidade, pois sistemas globais de monitoramento de desmate tendem a ser menos calibrados para as particularidades de cada país e (2) a transparência, dado que tanto o Deter quanto o Prodes oferecem a possibilidade de acompanhamento pela sociedade civil.

Os dados do Deter são atualizados semanalmente para o público em geral e estão disponíveis na internet. Os resultados do Prodes são divulgados anualmente, no segundo semestre.

Para Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e diretor do secretariado do GEO (Grupo de Observações da Terra), é essa transparência que está em jogo: “Quando você não quer ser cobrado, a transparência é o inimigo. Quando você não quer um ambiente democrático e a defesa das instituições, a transparência incomoda. E a transparência está incomodando”.

Outras nações com florestas tropicais não têm sistemas de monitoramento ou são mais opacas a respeito de seus dados, afirma.

Ele cita Indonésia, Vietnã e países que, embora estejam investindo no assunto, a seu ver ainda não alcançaram a qualidade técnica existente hoje no Brasil, onde a construção do algoritmo que detecta desmate leva em conta experiências em campo dos pesquisadores.

Estão nessa fase incipiente Peru, Colômbia e Costa Rica —que, em documentos internacionais recentes sobre emissões de gases-estufa, discutia a implantação do monitoramento.

“O que você tem em outros países tropicais é a falta de capacidade local de monitoramento”, afirma Raoni Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Rajão também cita a baixa transparência. A Indonésia, por exemplo, já emitiu relatórios sobre emissões ligadas a desmatamento com dados que não coincidem com os da Global Forest Watch —geralmente inferiores aos da plataforma.

EUA e Europa realizam monitoramentos não específicos para florestas tropicais e periodicamente apontam os usos da terra feitos pelas nações.

Câmara, contudo, rejeita os casos europeu e americano como paralelo. As florestas nessas regiões são muito menos biodiversas que as tropicais, afirma, e, por serem menores reservas de biomassa, são mais destinadas a projetos de manejo florestal, como para a indústria de papel e celulose.

Raoni Rajão alerta, porém, para um movimento importante: Europa, Estados Unidos e China estão aumentando a área florestal. “O Brasil é o país mais rico do mundo a ter desmatamento.”

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reclama com frequência dos dados de desmatamento e queimadas noticiados dentro e fora do Brasil.

A reclamação costuma vir acompanhada de alegações falsas —como fez no discurso na abertura na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, nesta terça (22), quando disse ser vítima de uma campanha de desinformação sobre ações ambientais.

Outro padrão, repetido por Bolsonaro na ONU, é minimizar os incêndios que ocorrem na Amazônia, atribuindo-os erroneamente a indígenas, e o fogo no Pantanal, que enfrenta uma das piores situações de queimadas já documentadas.

Com isso, assiste-se a uma espécie de caça às bruxas.

Os dados de aumento de desmatamento divulgados periodicamente acabaram, em última instância, levando à exoneração de Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe, em agosto de 2019. Na ociasião, Bolsonaro afirmava que queria ver os dados antes de serem publicados.

Mais recentemente, confrontado com dados continuamente negativas em relação à destruição da Amazônia, o general Hamilton Mourão, vice-presidente e chefe do Conselho da Amazônia, afirmou recentemente que "alguém do Inpe estaria tentando fazer oposição ao governo Bolsonaro". Não apresentou nomes nem provas para a acusação.

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