Mancha de poluição no rio Tietê cresce 43% em um ano

Apesar dos investimentos em despoluição, trechos do rio e do Pinheiros têm péssima qualidade de água; governo estadual anunciou, nesta quinta, programa Renasce Tietê

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São Paulo

A mancha de poluição no rio Tietê cresceu cerca de 43% em um ano e agora atinge 122 km do corpo d’água no estado de São Paulo. Houve também uma diminuição das águas boas no rio, segundo a análise feita pela Fundação SOS Mata Atlântica como parte do projeto Observando os Rios.

O estudo, feito anualmente desde 1993, aponta presença de trechos com péssima qualidade de água tanto no Tietê quanto no Pinheiros, seu afluente —isso apesar do investimento de bilhões de reais do governo estadual para despoluição.

O relatório foi divulgado nesta quinta-feira (22), o Dia do Tietê.

A situação é surpreendente, segundo Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios, exatamente devido a essas ações recentes de saneamento, especialmente no rio Pinheiros. Apesar de a situação no grande rio paulista ter piorado, a da bacia como um todo permanece relativamente estável.

Voluntários do projeto coletaram amostras de água de setembro de 2021 a agosto de 2022 em 55 pontos do Tietê e de outros rios que compõem a sua bacia, incluindo o Pinheiros.

Além disso, a SOS Mata Atlântica se baseou em 16 indicadores para compor o índice de qualidade da água, incluindo dados da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). O projeto monitora 576 km do rio, que, ao todo tem cerca de 1.100 km.

Rio com prédios ao fundo e ciclovia na margem
O rio Pinheiros, afluente do Tietê, registrou qualidade de água péssima próximo à ponte Cidade Jardim - Zanone Fraissat/Folhapress

A mancha de poluição pode ser traduzida como a extensão do rio sem oxigênio dissolvido na água. Nessas condições, a água, em linhas gerais, não pode ser usada por humanos —mas pode ser utilizada para navegação, por exemplo.

Segundo o índice usado pela fundação, 117 km do rio estão com qualidade de água ruim e 5 km, com qualidade péssima —documentada na região do reservatório de Edgard Souza, em Santana do Parnaíba (na Grande São Paulo).

Na análise anterior, nenhum quilômetro de Tietê tinha qualidade péssima e 85 km eram de águas ruins.

Para piorar, os 124 km de águas boas foram reduzidos para somente 60 km (diminuição de cerca de 51%). Assim como nos últimos dois anos, nenhum trecho atingiu qualidade ótima.

Enquanto na região metropolitana de São Paulo a qualidade da água do Tietê ficou estável, a situação piorou no interior, segundo a análise.

"Agora estão aparecendo problemas no rio Tietê que antes eram escamoteados com esse argumento de que a região metropolitana joga esgoto no rio. Agora estão aparecendo com maior clareza os danos que são causados no interior", diz Veronesi.

A situação climática pode explicar, em parte, a piora no interior. Nesse período, o estado passou por um período com chuvas abaixo do volume esperado, segundo Veronesi, o que levou à diminuição da vazão do rio e, consequentemente, uma maior concentração de material orgânico.

Aliado a isso, a piora da qualidade no interior também pode ser explicada por uso de fertilizantes e agrotóxicos no meio agrícola, que, eventualmente, acabam nos corpos d’água. Quando chegam aos rios, esses produtos servem de nutriente para proliferação de plantas que acabam por consumir o oxigênio na água, o que, em última instância, prejudica a qualidade da água.

Por fim, o relatório da SOS Mata Atlântica também aponta para a expansão da urbanização (que, logicamente, é um processo contínuo de décadas) no interior do estado, o que reforça a necessidade de melhorias no saneamento em outras áreas para além da região metropolitana.

Mesmo com os resultados, há soluções no horizonte, afirma o coordenador do Observando os Rios. Um exemplo é o lago do parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, alimentado pelo córrego do Sapateiro, parte da bacia do Pinheiros.

A qualidade da água do lago, que era regular até a última análise, agora é boa —inclusive, em 2021, peixes filmados no rio Pinheiros possivelmente saíram do córrego do Sapateiro. Trata-se do resultado de esforços na melhoria do saneamento.

Outro ponto que teve melhora dentro da cidade de São Paulo foi o riacho Água Podre, no bairro do Butantã, um nome autoexplicativo para a situação das águas locais —que de ruins foram para regulares, uma categoria na qual, após tratamentos avançados, o líquido pode até ser destinada para abastecimento humano.

Ou seja, um caso como o do rio Pinheiros pode ser revertido. "Se existisse essa classificação, o rio Pinheiros estaria em 'muito péssimo', 'além do péssimo'. Agora ele está chegando no péssimo. Não é de uma hora para outra que vai melhorar", afirma o especialista. "Mas tem melhorado. O aspecto não está tão tenebroso como era tempos atrás, o mal-estar de estar na beira do rio já não acontece tanto."

Procurada pela Folha, a Cetesb afirma que o estudo da SOS Mata Atlântica é feito de modo colaborativo e que as medições no rio Pinheiros "não refletem os dados sistemáticos monitorados pela Cetesb".

"Já sobre a mancha do rio Tietê, o relatório da SOS Mata Atlântica de 2019 comparado com o de 2022 demonstra um recuo de 25% na mancha de poluição", diz, em nota a Cetesb. "Durante o período de pandemia, de acordo com o relatório da própria SOS Mata Atlântica 2021, a medição foi prejudicada em razão da diminuição dos pontos e da frequência das análises. Referências científicas mostram que não é possível comparar períodos atípicos, como os anos influenciados pela pandemia, que registraram mudanças no comportamento da sociedade."

O governo estadual tem destacado as melhorias no rio Pinheiros, através do Programa Novo Pinheiro, após bilhões investidos e com a conexão de mais de 624 mil imóveis da bacia do rio Pinheiros à rede de esgoto.

Na Usina São Paulo (antiga Usina da Traição), que fica no curso do rio, há planos para a construção de um polo cultural e gastronômico, inspirado em Puerto Madero, em Buenos Aires, o que seria um novo cartão-postal para a capital. Apesar disso, sempre há o destaque para o fato de que nunca será possível, por exemplo, dar um mergulho no Pinheiros.

Nesta quinta-feira, o governo estadual anunciou, para 2023, o programa Renasce Tietê, com investimento de US$ 100 milhões, dos quais US$ 80 milhões provenientes do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O contrato ainda será assinado, diz o governo em nota. Parte das verbas será usada para saneamento e reflorestamento de matas ciliares, e outras fatias irão ainda para construção e reforma de núcleos de educação, cultura, lazer e esporte em Salesópolis.

Veronesi afirma que a ampliação do saneamento e a preocupação com a despoluição do Tietê e do Pinheiros precisam continuar no próximo governo, seja ele qual for.

"Eu reluto quando falam que o rio Tietê é o mais poluído do Brasil. Não é. Eu acho injusto um rio que tem mais de 1.100 km, com 10% deles com a qualidade comprometida, colocar a pecha de um rio poluído. Ele está poluído em 10%, por motivos que podem ser solucionados", diz o coordenador do Observando os Rios. "Se a gente cuidar de cada riozinho da bacia, a gente consegue melhorar o riozão."

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