Lobby de combustíveis fósseis é maior que delegações africanas na 'COP da África'

Número de representantes de indústrias como petróleo, gás e carvão aumentou 26% desde a última conferência do clima da ONU

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Sharm el-Sheikh (Egito)

Vestidos com paletó e gravata, três executivos observam, enfileirados, o quadro dourado de patrocínios do pavilhão do Egito, país anfitrião da COP27, conferência do clima da ONU que ocorre até o dia 18 na cidade de Sharm el-Sheikh.

"Estamos pensando em patrocinar a COP no ano que vem", um deles explica à reportagem e se apresenta. É Gareth Wynn, chefe de comunicação da Taqa, empresa nacional de gás dos Emirados Árabes, país-sede da próxima edição da COP.

O grupo pertence a uma das grandes delegações da COP: a dos combustíveis fósseis (como petróleo, gás e carvão). O setor tem 636 representantes na conferência deste ano. O número é 26% maior do que na COP26, no ano passado, quando tinha 503 lobistas.

Pessoa fantasiada de dinossauro segura cartaz sobre extinção enquanto pessoas em volta observam
Manifestante vestido de dinossauro na COP27 nesta quinta (10) faz alerta que a humanidade pode entrar em extinção com as mudanças climáticas; conferência do clima da ONU no Egito tem presença maior de lobbistas dos combustíveis fósseis do que a edição anterior, aponta relatório - Mohamed Abd El Ghany/Reuters


"Há um aumento da influência da indústria de combustíveis fósseis nas negociações sobre o clima que já estão repletas de acusações de censura da sociedade civil e influência corporativa", afirma uma nota das organizações Corporate Accountability, Corporate Europe Observatory e Global Witness, que mapearam conjuntamente a presença do setor na conferência.

A reportagem procurou a Convenção-Quadro do Clima da ONU para comentar os números, mas não obteve retorno até o momento da publicação.

A análise percorreu a lista de credenciados na COP, verificando tanto os nomes diretamente afiliados a corporações de combustíveis fósseis —como Shell, Chevron e BP— quanto membros que atuam em nome da indústria de combustíveis fósseis e foram credenciados por delegações nacionais.

Os Emirados Árabes Unidos —que registraram 1.070 delegados neste ano, enquanto levaram apenas 176 no último ano— têm 70 nomes classificados como lobistas de combustíveis fósseis pela pesquisa, que ainda é preliminar.

Homens de terno próximos a um quadro dourado preso em uma parede
Representantes da indústria de combustíveis fósseis observam placa dourada dos patrocínios do pavilhão do Egito na COP27, conferência do clima da ONU que acontece em Sharm el-Sheik - Ana Carolina Amaral/Folhapress

Outros 28 países trazem lobistas do setor em suas delegações nacionais. A Rússia é a segunda maior casa para os representantes das energias fósseis, com 33 lobistas em sua delegação, aponta o relatório.

Presidida por um país africano, a conferência é apelidada de "COP da África" por conta da expectativa de o continente conseguir pautar nas negociações as agendas que lhe são mais urgentes, como a adaptação climática, o financiamento e as reparações por perdas e danos.

No entanto, o lobby dos fósseis traz à COP uma delegação maior do que qualquer delegação africana, ainda segundo a análise.

As três organizações que levantaram os dados são parte de uma coalizão que tem pedido à ONU para barrar o credenciamento de lobistas das energias fósseis.

"É hora de expulsar os grandes poluidores. Chega de deixá-los escrever as regras ou bancar as negociações sobre o clima", diz Phillip Jakpor, representante da Corporate Accountability e da Participação Pública da África (CAPPA).

"Os lobistas do tabaco não seriam bem-vindos nas conferências de saúde, os traficantes de armas não podem promover seu comércio em convenções de paz. Aqueles que perpetuam o vício mundial em combustíveis fósseis não devem ser autorizados a passar pelas portas de uma conferência climática. É hora de os governos saírem dos bolsos dos poluidores", completa.


A análise ainda avalia que, enquanto permite a presença de lobistas cujos interesses são contrários ao propósito da conferência, a COP27 inviabilizou a participação de ativistas, movimentos sociais e indígenas, por conta de altos custos logísticos e de hospedagem, além de repressões do governo ditatorial do Egito a manifestações da sociedade civil.

Há mais lobistas de combustíveis fósseis registrados do que representantes dos dez países mais impactados pelas mudanças climáticas de acordo com o ranking da GermanWatch (Porto Rico, Mianmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh, Paquistão, Tailândia e Nepal), destaca o estudo.

A crise energética na Europa decorrente da Guerra da Ucrânia trouxe ainda mais força para o setor, que ganhou legitimação política para receber investimentos no curto e médio prazo, embora seja o maior causador global das mudanças climáticas.


Boa parte das metas nacionais e setoriais para o Acordo de Paris preveem zerar, até 2050, as emissões líquidas —ou seja, ainda será possível emitir, desde que com ações de compensação, como o plantio de árvores, que sequestrem o gás carbônico de volta para a terra.

O setor tem apostado em brechas como essa, além de paliativos como tecnologias menos poluidoras, para se manter atuante. No entanto, cada vez mais a ciência, os líderes políticos e até mesmo o secretário-geral da ONU, António Guterres, tem defendido que é preciso banir investimentos em fósseis, forçando uma guinada definitiva no setor energético para as renováveis.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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