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Equador tentou frear exploração petrolífera e proteger a floresta amazônica, mas aconteceu o contrário

País perfura um dos ecossistemas mais importantes e que guarda volume imenso de carbono

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Catrin Einhorn Manuela Andreoni
Parque Nacional Yasuní (Equador) | The New York Times

Operários concluíram recentemente a construção de uma nova plataforma petrolífera numa área de densa floresta amazônica no Equador, perto de onde vivem alguns dos últimos indígenas do mundo ainda não contatados.

Equipes estão fazendo perfurações em um dos ecossistemas mais importantes da Terra em termos ambientais –e que armazena volumes imensos de carbono, que aquece o planeta. Estão se aproximando gradualmente de uma zona de acesso proibido, definida para proteger os grupos indígenas. Mas foi descoberto que algumas das maiores reservas petrolíferas do país estão presentes também nas áreas desses indígenas.

O Equador é um país carente de recursos e que enfrenta uma dívida grande. O governo enxerga a exploração petrolífera como sua melhor saída.

A história deste lugar, o Parque Nacional Yasuní, oferece um estudo de caso de como forças financeiras globais continuam a colocar países em desenvolvimento numa armadilha, obrigando-os a explorar alguns dos lugares de maior biodiversidade do planeta.

Área de floresta amazônica desmatada na região do Yasuní, no Equador
Área de floresta amazônica desmatada na região do Yasuní, no Equador - Erin Schaff -17.out.2022/NYT

Segundo a diplomata equatoriana Maria Fernanda Espinosa, ex-presidente da Assembleia Geral da ONU, países como o Equador estão contra a parede.

Explorar petróleo nesta parte da floresta amazônica não foi a primeira opção do Equador. Em 2007, o então presidente Rafael Correa propôs uma alternativa inovadora que teria conservado no subsolo as reservas de óleo de um lote aqui designado como Bloco 43 e que se estimava na época conter por volta de 1 bilhão de barris.

O plano previa que países criassem um fundo de US$ 3,6 bilhões, metade do valor estimado do petróleo, para compensar o Equador por deixar suas reservas intocadas.

Defensores da ideia disseram que seria uma vitória para o clima, a biodiversidade e os direitos indígenas. Além disso, segundo eles, teria sido uma vitória moral que teria criado um precedente: um país pequeno e em desenvolvimento teria sido pago para abrir mão de um recurso natural que ajudou a tornar lugares como os Estados Unidos e a Europa tão ricos quanto são.

Mas após a fanfarra inicial, apenas uma parte minúscula das contribuições chegou de fato. O Equador recorreu à China para pedir empréstimos, cerca de US$ 8 bilhões ao longo do governo de Correa, que seriam pagos em óleo.

"Agora que a tendência global é de abandonar os combustíveis fósseis, é chegado o momento de aproveitar nosso petróleo até a última gota, para que possa beneficiar os mais pobres e ao mesmo tempo respeitar o meio ambiente", disse no ano passado o atual presidente, Guillermo Lasso.

Outros países também estão em busca de novas fontes de petróleo, apesar de a Agência Internacional de Energia ter dito que os países precisam sustar projetos novos para evitar a mudança climática catastrófica.

Os países em desenvolvimento dizem que deveriam poder continuar a usar combustíveis fósseis, já que historicamente são eles que carregam a culpa menor pela mudança climática. Mas em muitos casos esses países abrigam os ecossistemas mais valiosos para ajudar a evitar o aquecimento global e o colapso da biodiversidade.

O Congo, por exemplo, colocou em leilão áreas de exploração de óleo que incluem floresta tropical, turfeiras e partes de um santuário de raros gorilas-das-montanhas.

No Equador, a indústria petrolífera insiste que as perfurações podem ser feitas sem causar muitos danos. Mas, segundo cientistas, mesmo os melhores casos até hoje levaram a desmatamento e outras pressões.

Esse incremento da extração de petróleo não poderia acontecer num momento pior para as florestas do mundo. Com a floresta amazônica enfraquecida pelo desmatamento e a mudança climática, cientistas avisam que ela está se aproximando de um limite além do qual pode se degradar e converter-se em savana. Algumas áreas já estão emitindo mais carbono do que conseguem armazenar –uma bomba-relógio de gases estufas.

"A maior riqueza do Equador é sua biodiversidade", disse Carlos Larrea, professor da Universidade Andina Simón Bolívar, em Quito, que ajudou a desenhar o fundo que fracassou. Para ele, a destruição de Yasuní "é suicídio".

A natureza sempre sai perdendo

Yasuní está cheio de vida. Ela trina, grasna e pia. Os menores macacos do mundo, saguis-pigmeus, correm pelos galhos das árvores; capivaras, os maiores roedores do mundo, descansam nas margens dos rios.

Em um lote de apenas 25 hectares, cientistas documentaram a presença de cerca de mil espécies de árvores nativas –mais ou menos o mesmo número existente nos Estados Unidos inteiro.

Nenhuma região terrestre do planeta é mais rica em biodiversidade que esta, onde a Amazônia sobe os contrafortes dos Andes. A diversidade genética é um recurso natural vasto e inexplorado que tem o potencial de oferecer curas para doenças e abrir as portas para inovações tecnológicas. Mas a fragmentação já começou.

"A natureza sempre sai perdendo", comentou Renato Valencia, ecologista florestal da Pontifícia Universidade Católica do Equador que estuda esta área há décadas. "Quando se trata de questões econômicas, essa é a regra."

Pessoas também estão em risco. Um número desconhecido de homens, mulheres e crianças vivem em Yasuní no chamado isolamento voluntário, rejeitando o contato com o mundo externo. São conhecidos como os tagaeris e os taromenanes.

Sua reserva e a área de contenção em volta são de acesso proibido para a perfuração, mas já se discutiu no governo a possibilidade de reduzir a zona de proteção para poder alcançar mais óleo.

"O óleo está onde a natureza o colocou", disse Fernando Santos, o ministro equatoriano da Energia, entrevistado em novembro. "E é dali que precisamos extraí-lo, se bem que com muito cuidado."

País dependente do petróleo

O óleo começou a ser exportado da região amazônica do Equador meio século atrás, quando primeiro foi descoberto por empresas americanas. Em 1972, militares levaram um simbólico primeiro barril em desfile pelas ruas de Quito. "O povo não consegue conter a emoção", disse o narrador de um cinejornal filmado nesse dia.

Ao longo dos 50 anos seguintes o PIB per capita equatoriano quase dobrou, crescendo em ritmo um pouco maior que o da América Latina como um todo. Muitos atribuem o feito ao petróleo.

"Viu-se uma mudança, de um Equador muito atrasado para um Equador que avançou, não até o primeiro mundo, mas para a metade do caminho", disse Santos.

Mas os benefícios econômicos praticamente não chegaram às comunidades que há décadas vivem nas proximidades da exploração de óleo. Mais de metade dos habitantes da Amazônia equatoriana, de onde sai a grande maioria do petróleo do país, são pobres.

Ramiro Páez Rivera, executivo que já trabalhou para várias empresas petrolíferas na região, disse que cabe ao governo fazer bom uso dos impostos sobre o petróleo.

"Pagamos milhões de dólares", ele disse. "E o povo nem sequer tem água potável."

Milhares de indígenas equatorianos fizeram uma greve de 18 dias no ano passado que paralisou boa parte da produção petrolífera no país. "Não queremos óleo", disse Leonidas Iza, presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, que ajudou a liderar os protestos.

Mas, ao mesmo tempo que os manifestantes reivindicaram o fim dos planos do presidente de dobrar a produção petrolífera, também exigiram a redução do preço dos combustíveis, algo que normalmente geraria uma demanda maior de óleo.

"A realidade cruel é que nestes 50 anos nossa economia se tornou dependente do óleo", disse Iza.

O mundo nos deixou na mão

A proposta apresentada em 2007 de deixar o petróleo no solo foi um esforço para mapear um caminho diferente. Ela foi defendida por uma figura inesperada: o ministro da Energia, Alberto Acosta.

"Foi o ministro do petróleo propondo que não se extraísse o petróleo", Acosta recordou. Na juventude ele aceitara sem questionar a ideia de que o petróleo era crucial para arrancar o Equador da pobreza. Mas após décadas de produção, os maiores efeitos que ele via eram a poluição e o desflorestamento.

Assim, o Equador pediu ao mundo US$ 3,6 bilhões, metade do previa ganhar com a venda do óleo. Num primeiro momento houve reações positivas. A ONU concordou em administrar o fundo. Alemanha e Itália prometeram contribuir.

Mas alguns governos não confiavam no presidente Correa, governante populista que havia declarado moratória da dívida externa nacional. Muitos pareciam perplexos com a ideia de pagar um país para deixar de fazer alguma coisa. Correa foi acusado de chantagem porque pretendia explorar o óleo se o dinheiro não chegasse.

Quando a proposta para Yasuní perdeu força, a China assumiu uma influência crescente no Equador, intervindo com bilhões de dólares em empréstimos, alguns dos quais a serem saldados em óleo.

No final a proposta para Yasuní levantou apenas cerca de US$ 13 milhões. "O mundo nos deixou na mão", disse Correa à nação em agosto de 2013.

Correa hoje vive na Bélgica e, por conta de uma condenação por corrupção, pode ser preso se voltar ao Equador.

Buscando outro tipo de economia

Após o fracasso do projeto de Yasuní, uma companhia petrolífera estatal que hoje faz parte da Petroecuador começou a bater às portas de comunidades indígenas no Bloco 43, oferecendo dinheiro e projetos de habitação e saneamento.

Hoje há 12 plataformas espalhadas pela floresta, interligadas por uma estrada de cascalho.

Em cada plataforma, operários perfuram dezenas de poços, voltados para direções diferentes para evitar desmatamento adicional. Centenas de operários trabalham em turnos, e o trabalho prossegue 24 horas por dia.

"Estamos fazendo um esforço agressivo para chegar aos limites do que pode ser feito ali", disse Hugo Aguiar, o gerente geral da Petroecuador.

Mas não está claro até quando o petróleo do Bloco 43 valerá o investimento. O óleo pesado tem valor menor e emite mais carbono que os tipos mais leves. Mais de 90% do que é extraído é água tóxica que precisa ser retirada e tratada, o que encarece as operações.

A pressão contra a exploração de óleo no Equador continua a aumentar. Após anos de obstáculos locais, um referendo para perguntar se o governo deve conservar o óleo cru do Bloco 43 no solo pode finalmente ir para votação.

"Vamos esgotar todos os blocos de óleo, exaurir todos os ecossistemas, mas não resolveremos o problema da economia do Equador", disse Iza, o líder indígena. "Precisamos pensar em outro tipo de economia."

Tradução de Clara Allain

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