Brasil faz primeira expedição de pesquisa ao Ártico

Após mais de 40 anos de estudos na Antártida, país vai mapear musgos, fungos e solos congelados no outro polo do planeta

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São Carlos (SP)

Biólogos de três universidades brasileiras iniciam nesta semana a primeira expedição de pesquisadores do país ao Ártico, numa viagem de nove dias ao arquipélago de Svalbard, pertencente à Noruega. A equipe vai recolher amostras de plantas, fungos e micro-organismos, com o objetivo de entender melhor as conexões entre as espécies dos dois polos do planeta.

De quebra, diz Paulo Câmara, pesquisador da UnB (Universidade de Brasília) e um dos integrantes da expedição, a jornada pode iniciar a integração do Brasil a estudos considerados estratégicos do ponto de vista geopolítico.

Os dois sorriem segurando a bandeira
Os pesquisadores Micheline Carvalho Silva e Paulo Câmara seguram bandeira da UnB (Universidade de Brasília) no arquipélago de Svalbarg, no Ártico, durante a primeira expedição oficial de pesquisa do Brasil na região - Divulgação

"O Brasil é um país polar há mais de 40 anos, graças à continuidade da pesquisa antártica brasileira ao longo de todo esse período. As mudanças ambientais no Ártico afetam o mundo todo, inclusive a nós, e têm repercussões no comércio e na segurança internacionais", argumenta ele, destacando que parte do território brasileiro está no hemisfério norte (acima do Equador) e, portanto, fica mais perto do polo norte do que do polo sul.

Câmara é especialista em briófitas, o grupo de vegetais relativamente primitivos que inclui os musgos e estão entre os poucos que conseguem colonizar ambientes polares com alguma facilidade. É o que ele deve estudar em Svalbard, a exemplo do que já faz na Antártida.

"Os tapetes de musgos podem ser vistos como florestas em miniatura. Abrigam toda uma diversidade ampla de outros seres vivos, como colêmbolos [parentes primitivos dos insetos, também com seis patas], vermes nematoides e amebas", explica ele.

A experiência da equipe em território antártico deve ajudá-los no estudo das chamadas espécies bipolares, que estão presentes nos dois extremos do globo, mas não nas regiões intermediárias da Terra.

Outra integrante do grupo, Micheline Carvalho Silva, também da UnB, explicou à Folha que uma das hipóteses para explicar essa conexão por tamanhas distâncias envolve a ação de correntes de vento, as quais seriam capazes de carregar partes reprodutoras dessas plantas mundo afora.

Outra possibilidade é que elas peguem carona em aves migratórias que costumam frequentar ambos as regiões polares, aproveitando os períodos menos frios do Ártico e da Antártida. "Vamos examinar penas dessas aves para ver o que elas estão carregando", explica ela.

Segundo Vívian Gonçalves, especialistas em fungos extremófilos (especializados em sobreviver em ambientes extremos) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ela e seus colegas recolherão amostras tanto em trilhas que acessarão por via terrestre quando em fiordes (braços de mar que avançam ao lado de encostas rochosas) aos quais devem chegar de barco, com a ajuda de guias nativos da região.

Além das espécies da região, a equipe também deve recolher amostras de permafrost, o solo congelado do Ártico que tem derretido cada vez mais por conta das mudanças climáticas.

"É uma logística bem mais simples do que a necessária para trabalhar na Antártida", resume Marcelo Ramada, biólogo molecular da Universidade Católica de Brasília. "A gente consegue, por exemplo, contratar um voo comercial que não é tão caro para chegar a Svalbard. Existem vilas com população permanente, supermercados, estradas, hotéis."

E há ursos-polares —uma espécie que habita Svalbard há dezenas de milhares de anos, mas que tem ficado cada vez mais próxima da população humana do arquipélago por causa da perda de seu habitat e do principal item de seu cardápio, as focas, com o derretimento do gelo marinho na região.

Por isso, a legislação norueguesa determina que trabalhos de campo em Svalbard devem ser acompanhados de guias armados, ou ser feitos por gente treinada para se defender dos ursos, caso isso seja necessário.

"Fizemos todo o treinamento com os fuzileiros navais e com o Exército brasileiro para poder manejar fuzis de ferrolho", explica Luiz Rosa, do departamento de microbiologia da UFMG. "Eu não vou atirar em urso, sou biólogo, e vamos evitar ao máximo qualquer confronto, mas estamos preparados."

Segundo os protocolos adotados na região, deve-se primeiro fazer barulho para tentar afastar os predadores, depois disparar sinalizadores, dar tiros de advertência e só em último caso atirar no animal. "Mas, caso avistemos um urso, vamos nos retirar imediatamente", diz Rosa.

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