Noruega quer convencer o Brasil a comer mais bacalhau

País deseja ir além do Natal e Páscoa, ampliando interesse pelo peixe que leva 60 dias para chegar ao mercado nacional

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Peças de bacalhau em processo de receber sal na fábrica Scanprod AS, em Ålesund, na Noruega; produto recebe o nome de bacalhau quando o teor de água do peixe salgado se reduz para 48% David González/Conselho Norueguês da Pesca

Tromsø e Ålesund (Noruega)

O bacalhau tem cabeça, sim. Mas ela vai para a Nigéria. Os ossos são encaminhados para a China. A língua viaja para a Espanha.

Já a peça inteira do Gadus morhua, peixe considerado o rei dos bacalhaus da Noruega, é salgada, desidratada e depois aparada com capricho para ter boa aparência final. E ganha um último toque cosmético de sal para deixá-la ainda mais branca. Um dos destinos finais é o Brasil.

Bacalhau confitado com purê de castanhas e cebolada de espinafres - Conselho Norueguês da Pesca

É este produto considerado premium o principal alvo dos noruegueses no trabalho de convencer brasileiros a consumirem mais bacalhau, para além da tradição na Páscoa e no Natal ensinada pelas avós portuguesas, ou dos bolinhos servidos nos bares.

Brasileiros comem em geral menos pescados do que o recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) —seriam 12 kg por pessoa por ano, considerando peixes e frutos do mar.

"No Brasil o consumo é de nove quilos por ano. Qualquer cem gramas a mais por pessoa que conseguirmos aumentar nesta média é um impacto enorme para nós", afirma Øystein Valanes, diretor Brasil do Conselho Norueguês da Pesca, ele mesmo filho e neto de pescadores nascido em Tromsø, e que praticou o ofício por dez anos.

Noruegueses levam a sério a missão de vender seu peixe. Depois do petróleo e do gás, os pescados são o principal produto de exportação do país. Ainda brigam para emplacar no Brasil o salmão norueguês, atualmente de domínio quase completo do Chile.

O bacalhau propriamente dito, para os padrões noruegueses, só pode ser atribuído ao Gadus morhua, o maior e mais robusto deste grupo de peixes, perfeito para o consumo em postas, por exemplo.

É vendido ao Brasil pela Noruega em peça inteira, salgado e desidratado. Já Portugal, o principal comprador do pescado norueguês, exporta também o bacalhau para o Brasil, tanto na versão peça integral como o fraciona em postas, com a opção de já dessalgadas.

A forma desfiada e mais barata é, em geral, da espécie saithe (Pollachius virens), peixe um pouco menor mas com sabor bem concentrado. É o tipo mais vendido para o Nordeste. Ling e Zarbo salgados e secos também são exportados ao Brasil.

Preço salgado

Uma das barreiras para ampliar o consumo do bacalhau nos trópicos é o preço. O valor oscila nos 60 dias em que a peça demora para chegar ao Brasil.

O Gadus morhua é capturado no mar do norte europeu por barcos da Noruega, Rússia, Groenlândia e Islândia principalmente no inverno, entre janeiro e março.

Ele custa em média 40 coroas norueguesas o quilo, o equivalente a R$ 20, se vendido fresco, no local, assim que retirado da água. Um saithe in natura vale a metade.

Depois de salgado e desidratado nas fábricas das cidades norueguesas de Tromsø e Ålesund, em processos que duram em torno de um mês, o bacalhau sai do porto na Holanda custando cerca de 100 coroas (próximo de R$ 50) o quilo.

Da viagem pelo Atlântico por 30 dias até chegar ao Brasil, entram custos de transporte, impostos e revenda de importadores para as grandes redes de supermercado.

Para o cliente final, o Gadus morhua custa em torno de R$ 150 o quilo nos mercados brasileiros —quase oito vezes mais, portanto, do que o momento em que o peixe sai da água gelada do norte europeu.

A crise econômica, agravada na pandemia, fez as pessoas procurarem proteínas mais baratas, como frango e ovo.

O bacalhau sentiu o baque, com redução do consumo se comparado a antes de 2019. Além do valor alto, outra possível explicação é a Covid: o bacalhau é um prato no Brasil servido em família, e elas não podiam se reunir por causa da quarentena.

Uma das saídas discutidas pelos noruegueses é a reduflação. O nome complicado explica uma prática conhecida de quem passa pelas gôndolas de supermercado e repara no tamanho diminuído nas embalagens de alimentos, sem que o preço tenha reduzido.

Em 2021, foram 15,7 mil toneladas exportadas ao Brasil. A projeção para este ano é mais otimista, de 16 a 17 mil toneladas, mas ainda longe do cenário de 2019, de 19,5 mil toneladas.

Bacalhau com tomates

Se no Brasil a tradição portuguesa domina as formas de preparo, a talvez única receita de bacalhau consumida na Noruega tem influência espanhola.

Trata-se de uma forma de cozido do Gadhus morhua em pedaços, já feito o processo de dessalga, com um molho espesso de tomate. Acompanhado de batatas, cebola e azeitonas pretas, é perfeito para temperatura local de cidades como Tromsø, que não raro chega a abaixo de zero grau.

É possível encontrar esta receita pronta em potes na geladeira nos supermercados, com preços a 148 coroas (R$ 75).

Para quem tem a oportunidade de estar na Noruega, o privilégio é descobrir o sabor leve do Gadus morhua e do saithe também na versão in natura, sem o processo de salga e secagem. Ovas de peixes e vieiras acrescentam sofisticação ao prato.

A variação com que o bacalhau entra na culinária chega aos snacks, como pacotes de salgadinhos, ou na versão aperitivo seco, para acompanhar uma cerveja.

Há outros produtos raros aos brasileiros disponíveis em bares e supermercados da Noruega. Entre eles, a carne de baleia em forma de salame e até mesmo como um hambúrguer (239 coroas, ou cerca de R$ 120).

Os embutidos também alcançam animais fora do mar. Há salame de alce e de rena —sim, aquelas do Papai Noel. Entre os queijos, o destaque fica para o brunost, de leite de cabra norueguês, com gosto adocicado.

*A reportagem viajou para a Noruega a convite do Conselho Norueguês da Pesca

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