Descrição de chapéu Planeta em Transe desmatamento

Desmatamento na Amazônia fica abaixo de 10 mil km2 pela primeira vez desde 2018

Dados oficiais do Inpe mostram queda sob Lula, de 22,3% de agosto de 2022 a julho de 2023, na comparação com o período anterior

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São Paulo e Brasília

Após quatro anos consecutivos de taxas altíssimas, o desmatamento anual na Amazônia ficou abaixo de 10 mil km² pela primeira vez. De agosto de 2022 a julho de 2023, foram perdidos 9.001 km² de floresta, uma redução de 22,3% na comparação com o período anterior.

Os dados são do programa Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que foram divulgados nesta quinta-feira (9) e são considerados os números oficiais de desmate no país, sendo usados na definição de políticas públicas.

A taxa rompe o padrão estabelecido durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e representa uma vitória para o presidente Lula (PT), que tinha na pauta ambiental um dos focos da sua plataforma eleitoral.

Area desmatada
Desmatamento às margens da rodovia Transamazônica, no município de Lábrea (AM) - Lalo de Almeida - 4.set.2022/Folhapress

Marina Silva (Rede), escolhida pelo petista para chefiar novamente MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima), foi a responsável pela criação do programa que reduziu o desmatamento de 27,8 mil km², em 2004, para a mínima histórica, de cerca de 4.600 km², em 2012.

A ministra afirmou que enfrentou neste ano uma situação mais complicada que em 2003, quando assumiu a pasta pela primeira vez. Segundo ela, o governo Bolsonaro foi leniente na região e permitiu a proliferação de uma série de crimes, como garimpo ilegal e tráfico de armas e drogas.

"Hoje há uma profusão de criminalidades após completo desmonte da estrutura de governança ambiental, de destruição de órgãos de comando e controle e de incentivo, inclusive, a atividades que redundavam em desmatamento", disse.

Ela apontou também que os dados poderiam ser melhores, mas o retrato ainda considera cinco meses da gestão Bolsonaro. O período avaliado pelo Prodes vai de agosto a julho por ser o intervalo entre as estações secas da floresta amazônica, quando o desmate é facilitado pela falta de chuvas.

"Conseguimos uma redução de 22% do desmatamento mesmo tendo uma 'contratação' de 6.000 km² [desmatados na Amazônia] do governo Bolsonaro", afirmou a ministra, referindo-se às taxas de agosto a dezembro de 2022, que compõem os números recém-divulgados.

"Desde janeiro, quando assumimos o governo, o presidente Lula assumiu o compromisso com o desmatamento zero até 2030. Grande parte desse desmatamento vem da Amazônia. Nós sabíamos que era um desafio muito grande."

Esta foi a maior queda percentual no índice anual de desmatamento em uma década. De 2011 para 2012, a redução tinha sido de quase 29% —no entanto, a extensão do desmate era bem menor. Em 2011, tinham sido 6.418 km² derrubados. Em 2012, o valor atingiu o mínimo histórico do Prodes, de 4.571 km².

Os números são divulgados em meio a uma seca histórica na Amazônia, que fez rios virarem desertos e isolou comunidades. O fenômeno é provocado pela soma de fatores como o El Niño, as mudanças climáticas, o aquecimento do Atlântico Norte e a degradação da floresta.

A estiagem também facilita com que as queimadas associadas ao desmatamento se espalhem. Os incêndios florestais têm deixado Manaus, a cidade mais populosa da região, cheia de fumaça por vários dias.

Simultaneamente, o El Niño, que intensifica e prolonga secas no Norte e Nordeste , traz mais chuvas para o Sul —como tem acontecido nos alagamentos enfrentados no Rio Grande do Sul.

A ministra destacou que, apesar de ser um fenômeno natural, o El Niño tem sido mais frequente e intenso.

"As consequências são dramáticas. Nós temos que agir no emergencial, como estamos agindo –só no estado do Amazonas já foram mais de R$ 600 milhões. Quando a gente olha para o Rio Grande do Sul, algo em torno de R$ 1 bilhão [em recursos federais]", afirmou.

Marina disse ainda que a agenda de adaptação climática está muito atrasada, mas que é uma das prioridades do governo.

"Agora, a melhor forma de enfrentar estruturalmente é continuar reduzindo a emissão de CO2, não só no Brasil, mas no mundo", ponderou. "No Brasil, a melhor forma é combatendo o desmatamento."

Os novos dados apresentados apontam que o desmate na Amazônia Legal caiu 40% no Amazonas, 21% no Pará, 42% em Rondônia e teve um aumento de 9% em Mato Grosso.

Esse último estado e outros da região Centro-Oeste já haviam apresentado alta nos crimes ambientais em outro bioma. Em setembro, houve o mais alto índice de desmatamento para o mês já registrado no cerrado.

Foram perdidos 679,7 km². A maior marca até então para o período era de 451,5 km², em setembro de 2018. Em relação ao mesmo mês em 2022, o crescimento foi de 149% no bioma.

Questionada se haveria a possibilidade de uma migração da atividade dos desmatadores do bioma amazônico para o cerrado, Marina Silva afirmou não ter indícios que apontem nesse sentido.

Avanços e lacunas

Especialistas veem com otimismo os números apresentados nesta quinta, enquanto apontam também lacunas e passos que deveriam ser seguidos.

"A redução do desmatamento na Amazônia observado pelo Prodes, ainda que considere o último semestre de 2022, é um ótimo sinal, resultado de uma ação coordenada do governo. Ainda assim, os níveis de desmatamento continuam altos e precisamos zerar essa destruição", avaliou Mariana Napolitano, diretora de estratégia da ONG WWF-Brasil.

Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil e diretor de florestas e políticas públicas da BVRio, também destaca a atuação do Estado.

"A redução na taxa de desmatamento não se deu de maneira aleatória. Os dados indicam que provavelmente foram consequência de um conjunto de ações que vêm sendo tomadas pelos governos federal e estaduais, sobretudo pela articulação entre eles", disse Mesquita.

Ações como o cancelamento de CAR (Cadastro Ambiental Rural) em florestas públicas, a destruição de maquinário para desmate e a apreensão de gado em terras indígenas são sinais importantes das medidas de comando e controle, enumera Mesquita.

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, avaliou que os números evidenciam a "diferença abissal" entre a agenda ambiental do atual governo e a de seu antecessor.

Astrini disse acreditar, porém, que a atuação do Congresso pode nublar as boas notícias.

"Não adianta a gente combater o crime ambiental no chão da floresta e fortalecer esse mesmo crime no carpete do Congresso. E é isso que está acontecendo. A bancada ruralista, que é uma bancada que historicamente atua contra as legislações ambientais, está tendo a benevolência dos negociadores do governo dentro do Congresso, em várias agendas", destacou.

Entre as pautas ambientalmente sensíveis que tramitam hoje na Câmara e no Senado estão propostas que mudam o processo de licenciamento, a demarcação de terras indígenas e a liberação de agrotóxicos.

Boas novas para a COP28

Os números positivos são uma boa notícia para o governo brasileiro levar à COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece a partir de 30 de novembro em Dubai, nos Emirados Árabes. A cúpula é o principal espaço de discussão global sobre as mudanças climáticas, e o Brasil vinha sendo cobrado pelos resultados negativos sob Bolsonaro.

Os dados do Inpe mostram que apenas os meses de agosto a dezembro de 2022 representaram uma alta de 54% em relação aos mesmos meses do ano anterior. Por outro lado, os sete primeiros meses do governo Lula tiveram uma redução no desmatamento de 42% em relação aos mesmos meses de 2022. Os números mensais são referentes ao Deter (sistema usado para subsidiar as ações de fiscalização).

A efetividade do combate ao crime ambiental aumenta a força do país para cobrar demandas que considera importantes, como o cumprimento de promessas de financiamento e adoção de metas mais ousadas por países ricos.

"Nós não queremos ficar na inércia dos resultados já alcançados", afirmou Marina Silva. "Vamos participar da COP28 buscando mais compromissos dos países desenvolvidos."

Colaborou Phillippe Watanabe, de São Paulo.

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