Estamos entre os folgados e os desesperados. Assim resumiu uma negociadora ouvida pela Folha a situação de extremo antagonismo entre nações cujas economias dependem das receitas do petróleo e os países mais vulneráveis ao clima, principalmente as pequenas ilhas. O impasse impede a conclusão da COP28, a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) para o clima, cujo encerramento estava previsto para esta terça-feira (12).
Um novo rascunho do balanço global, principal documento desta COP, foi publicado às 7h do horário local em Dubai (meia-noite no Brasil). Como alternativa à menção sobre eliminação gradual ("phase out", em inglês) dos combustíveis fósseis, o novo texto propõe a transição dos combustíveis fósseis ("transitioning away from", no termo em inglês).
A linguagem mais branda era uma das estratégias dos negociadores de diversos blocos para convencer países como Arábia Saudita e Estados Unidos a aceitar o compromisso.
O parágrafo sobre o tema também ganhou mais força ao propor que os países "contribuam com os esforços globais tomando ações". Antes, ao listar oito possíveis estratégias de transição energética, o enunciado afirmava que os países poderiam tomar ações que "poderiam incluir" aquela lista, limitando-se a dar uma sugestão.
A partir das 10h30 do horário local (3h30 do horário de Brasília), uma nova plenária deve ser convocada para ouvir as posições dos países sobre o texto.
Os serviços de apoio à conferência, como alimentação e transporte dos participantes, foram estendidos até quinta-feira (14).
Ao longo da terça-feira (12), a presidência da COP manteve consultas informais com os países, que não voltaram a se reunir em plenária. Em salas de acesso restrito e sem registros, as negociações passam por uma fase obscura e os observadores têm dificuldade de acompanhar e influenciar a agenda.
O último rascunho do principal documento da COP, apresentado na noite da segunda-feira (11), gerou reações furiosas por ter retirado a previsão de eliminação gradual dos combustíveis fósseis —que se tornou a principal demanda da conferência.
A eliminação dos fósseis esteve nos rascunhos negociados ao longo da primeira semana da conferência e desapareceu no final de semana, logo após a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) ter enviado uma carta aos membros do seu grupo expandido, a Opep+, sugerindo que não aceitassem menções à redução dos combustíveis fósseis, mas, no lugar, propusessem a redução das emissões de gases-estufa.
A diferença permite que o setor continue explorando e queimando combustíveis fósseis, apelando para soluções de compensação do carbono emitido. Segundo os relatórios do painel do clima da ONU e da Agência Internacional de Energia, a conta não fecha. Para conter o aquecimento global em até 1,5ºC, seria necessário evitar novos investimentos em fontes de carvão, petróleo e gás.
Durante consultas informais ao longo do último final de semana, negociadores da Arábia Saudita e dos Estados Unidos levaram adiante a proposta da Opep e o novo rascunho do documento passou a falar na necessidade de redução de emissões, deixando apenas como sugestão, para os países que assim o quisessem, as opções de redução dos combustíveis fósseis.
Em reunião de chefes das delegações na madrugada de segunda (11) para terça (12), a Arábia Saudita praticamente assumiu a autoria do parágrafo. Falando em nome do bloco árabe, o representante saudita afirmou que a ciência não projeta nenhuma eliminação de fósseis e que não existe "zero fósseis" em um mundo de 1,5°C, de acordo com o registro das falas da reunião que circulou entre participantes da conferência.
O Brasil defendeu uma linguagem mais forte para o compromisso sobre combustíveis fósseis e também pediu a inclusão de uma referência à equidade racial, refletindo uma demanda dos movimentos sociais brasileiros presentes na COP.
Mesmo países que tradicionalmente apoiam linguagens favoráveis ao setor petroleiro nas COPs, como a Austrália, pediram um compromisso mais firme. O chefe da delegação australiana criticou o termo "poderiam incluir", que precede o conjunto de sugestões sobre a redução dos fósseis, pedindo um verbo como "deveriam", que expressa um compromisso mais firme com a agenda.
A COP28 não tinha um mandato para decidir sobre os combustíveis fósseis. A pauta é o maior tabu das negociações climáticas desde a criação da Convenção-Quadro de Clima da ONU, em 1992. A redução dos fósseis, que emitem 75% dos gases causadores da crise climática, só começou a aparecer nas decisões das COPs do Clima há dois anos, na COP da Escócia.
Foi a pressão da opinião pública no mundo todo que colocou o tema na agenda da COP28, em uma reação à escolha do presidente da petroleira Adnoc, Sultan Al Jaber, para chefiar a conferência deste ano.
Segundo negociadores, Al Jaber tem priorizado o tema, por entender que ele definirá a percepção pública sobre o sucesso da conferência.
A redução ou eliminação dos combustíveis fósseis é tratada em apenas um artigo do principal documento da COP, o balanço global —essa sim, uma entrega obrigatória desta edição da conferência, segundo o calendário de implementação do Acordo de Paris, assinado em 2015.
Como o balanço faz uma avaliação dos esforços globais na agenda climática e cria recomendações sobre como os países devem revisar suas metas, a previsão de redução ou eliminação dos combustíveis fósseis é oportuna para direcionar os novos compromissos nacionais, que devem ser entregues até 2025.
Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, os indicadores que saírem no balanço global serão aproveitados para conduzir a revisão das metas climáticas dos países, mesmo que não sejam definidos como trajetórias obrigatórias. Como o Brasil será responsável por conduzir o processo de revisão até a COP30, prevista para acontecer em Belém (PA), Marina propôs a criação de um grupo de trabalho para aprofundar as propostas de abandono das energias fósseis.
A repórter Ana Carolina Amaral viajou a convite de Avaaz, Instituto Arapyaú e Internews.
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