Só 9,5% dos avais para extrair ouro no Brasil estão regulares, aponta levantamento

Dado foi obtido pela ONG WWF em plataforma criada em parceria com a USP para auxiliar fiscalização

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Ítalo Leite
São Paulo

Somente 9,5% das extrações de ouro autorizadas no Brasil estão, de fato, regulares, aponta levantamento da ONG WWF-Brasil. O dado foi obtido pela entidade a partir do PTO (Portal da Transparência do Ouro), plataforma criada para auxiliar o trabalho dos órgãos de fiscalização no combate à extração irregular e ilegal do minério.

A ONG avaliou que dos mais de 40 mil pedidos de título para mineração de ouro, registrados até o dia 1º do último mês de junho, apenas 1.943 estão validados pela ANM (Agência Nacional de Mineração). Dos autorizados, somente 185 (9,5%) atendem aos critérios legais de extração do minério.

Vista aérea de área de garimpo aberta no meio da floresta
Área de garimpo ilegal próximo à aldeia Turedjam, na Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará - Lalo de Almeida - 10.mai.2023/Folhapress

Os títulos minerários são a permissão dada para o aproveitamento de recursos minerais do país. Entre os tipos de títulos, estão a chamada PLG (permissão de lavra garimpeira), voltada para atividades de porte reduzido, como cooperativas, e as concessões de lavra, dadas a mineradoras.

O PTO foi criado por Marcelo Oliveira, especialista em Conservação da WWF-Brasil, em parceria com a USP (Universidade de São Paulo). O projeto começou a ser desenvolvido em 2021 e foi lançado no mês passado.

Conforme Oliveira, a existência de irregularidades em títulos minerários com aval da ANM se dá por conta da falta de fiscalização da agência, apontando que não há verificação posterior à permissão dada.

"[Por exemplo,] a ANM me autorizou ano passado, operei o ano inteiro, mas neste ano não entreguei o relatório anual de lavra [documento obrigatório para exploração mineral, conhecido pela sigla RAL]", explica. "Então, estou irregular. Eu deveria ter a minha licença cassada, mas isso não acontece porque a agência não verifica por falta de pessoal, por falta de inteligência", completa.

Procurada pela Folha, ANM disse que trabalha com um plano anual de fiscalização, que pode incluir denúncias realizadas ao órgão, e que as ações de vistoria estão limitadas pelo número elevado de processos minerários, em contraste com o quantitativo reduzido de fiscais em atividade e o baixo orçamento do órgão.

Oliveira conta que a plataforma desenvolvida pode ajudar a ANM na fiscalização, pois reúne dados públicos de diferentes setores em um mesmo local. "Você faz um processo em dois segundos. Pode emitir um relatório com um conjunto de informações de várias lavras", afirma.

Não existe, no entanto, uma parceria formal para que esse uso venha a acontecer na agência. A ANM, em nota, afirmou à reportagem que ainda não teve acesso à metodologia e aos critérios utilizados pela WWF-Brasil e, por isso, as informações da ONG não são validadas pela instituição.

Para averiguar a regularidade dos títulos minerários, são cruzadas na plataforma as bases de dados de órgãos federais, como ANM, que detém os dados do processo minerário, Receita Federal, que define a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), e Ministério do Meio Ambiente, que administra unidades de conservação.

As informações são extraídas também da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais).

Oliveira destaca que, mesmo nos 185 títulos que aparentam estar dentro da legalidade no período avaliado, há a possibilidade de serem encontradas irregularidades. O PTO pode averiguar se um título minerário, supostamente regular, está sendo utilizado para a extração de ouro em outro local, esse não permitido.

Essa verificação é feita por técnicos que analisam em imagens de satélite, por exemplo, garimpos que ultrapassem as áreas de exploração estabelecidas e as chamadas lavras fantasmas, títulos que pagam a CFEM em territórios permitidos, mas que não possuem áreas de extração visíveis por satélite —indicando atividade em outra região, potencialmente ilegal.

Imagem do Portal da Transparência do Ouro (PTO). Plataforma utiliza imagens de satélite para ilustrar os títulos minerários (em branco) e terras indígenas e unidades de conservação (em cores variadas)
Imagem da região Norte na plataforma criada pela WWF com a USP; portal utiliza imagens de satélite para ilustrar áreas de processos de mineração (em branco) e terras indígenas e unidades de conservação (em cores variadas) - Reprodução/PTO

"[O ouro] hoje é um dos minérios que mais traz impacto socioambiental na amazônia brasileira. Veja a crise humanitária dos yanomamis e o que está acontecendo com os mundurukus", destaca Oliveira.

Segundo a plataforma Mapbiomas, em 2022, 92% da área garimpada do Brasil estava concentrada na amazônia, e 85,4% dos 263 mil hectares garimpados foram para extração do ouro. O Pará, ainda de acordo com a plataforma, foi o estado com maior área minerada no país, com 149 mil hectares de garimpo e 48 mil hectares de mineração industrial no mesmo período.

O Pará apresenta 30% dos 1.943 títulos minerários para ouro atualmente válidos, conforme a WWF-Brasil. Segundo a ONG, apesar de haver 592 títulos válidos, apenas 21 permissões de lavra garimpeira encontram-se formalmente regulares no estado.

Também procurado para comentar os dados sobre irregularidade de garimpo de ouro encontrados pela plataforma, o Ministério de Minas e Energia disse que tem atuado para o fortalecimento dos órgãos de controle e que apoia todas as iniciativas que tenham o mesmo objetivo.

Já o Ministério da Justiça respondeu que tem promovido políticas e ações para o mapeamento e combate ao garimpo ilegal, como o PL do Ouro, coordenado pela Secretaria de Acesso à Justiça.

O Ministério da Justiça salientou ainda que tem desenvolvido um projeto em parceria com a UFPA (Universidade Federal do Pará) e com o Instituto Amazônico do Mercúrio que prevê a criação de polos de testagem de mercúrio em estados amazônicos.

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