Descrição de chapéu The New York Times

Acidente de 1997 faz peças de Lego aparecerem em praias europeias até hoje

Contêiner com quase 5 milhões de unidades do brinquedo caiu no mar após navio ser atingido por onda gigante

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Aimee Ortiz
The New York Times

Em um dia de tempo feio e chuvoso no final de junho, a bióloga marinha Hayley Hardstaff fazia uma caminhada ao longo da praia de Portwrinkle, no condado litorâneo da Cornualha, sudoeste da Inglaterra, quando descobriu um dragão. Era uma peça de Lego —preta, de plástico e faltando a mandíbula superior.

Hardstaff, que cresceu na Cornualha, tem uma longa história de encontrar peças de Lego. Quando criança, ela as achava na praia, intrigada com o motivo de tantas crianças estarem esquecendo seus brinquedos.

Quando foi caminhar em junho passado, ela já sabia muito mais sobre o assunto e reconheceu rapidamente a cabeça escamosa e o pescoço saindo da areia, "em toda a sua dragoneidade".

Hardstaff havia encontrado mais um pequeno artefato de um dos mais estranhos acidentes marítimos da história.

A imagem mostra duas peças amarelas, com um design de botes salva-vidas amarelos, dispostas lado a lado. Ambas as peças têm uma superfície texturizada e apresentam marcas de uso, indicando que não são novas. O fundo da imagem é branco, destacando as peças.
Botes salva-vidas amarelos, coletados por Tracey Williams, estão entre as peças de Lego encontradas na Cornualha, Inglaterra - Guy Martin - 28.ago.2024/The New York Times

Em 1997, quase 5 milhões de peças de Lego —incluindo 33.427 dragões pretos— estavam em um contêiner quando uma onda gigante atingiu o Tokio Express, um navio de carga que transportava os brinquedos e outras mercadorias. O navio, que estava viajando para Nova York a partir de Roterdã, na Holanda, quase virou e perdeu todos os seus 62 contêineres —um evento conhecido como o Grande Derramamento de Lego.

Em uma coincidência, muitas das peças tinham temas náuticos. Foi, sem dúvida, o maior desastre ambiental relacionado a brinquedos que conhecemos, dizem os especialistas, e as pessoas ainda estão encontrando peças 27 anos depois.

O evento e suas consequências são documentados nas redes sociais na página do Facebook Lego Lost at Sea, onde Hardstaff aprendeu sobre o ocorrido. "Eu vi que algumas pessoas tinham encontrado esses dragões", disse ela. "Caso contrário, eu não teria ideia."

Lego Lost at Sea, que também tem contas no X e Instagram, é administrado por Tracey Williams, que começou a documentar as descobertas dos Legos depois de se mudar para a Cornualha, por volta de 2010.

"Na primeira vez que fui à praia, encontrei um pedaço de Lego do derramamento, e achei isso bastante surpreendente", contou.

Williams conhecia a história do Grande Derramamento de Lego. Anos atrás, durante visitas à casa de seus pais em Devon, condado vizinho à Cornualha, ela costumava levar seus filhos para catar conchas e pedras interessantes. Então, em 1997, peças de Lego começaram a aparecer.

"Sabíamos que era de um derramamento de carga, mas não sabia muito mais sobre o caso", disse, acrescentando que seus filhos enchiam pequenos baldes de plástico com seus tesouros de praia.

Uma mulher está em uma praia de areia, olhando para uma rede de pesca que ela segura com uma mão. Ela usa uma blusa azul e calças pretas, além de botas de borracha verdes. O mar está ao fundo, com ondas suaves e um céu claro. A praia está relativamente vazia, com algumas pedras e conchas espalhadas pela areia.
Tracey Williams fazia parte de uma rede de limpeza da praia quando começou a notar quantas peças de Lego apareciam na areia perto de sua casa, na Cornualha, Inglaterra - Guy Martin/The New York Times

"Eu não tinha realmente esquecido a história do Lego", contou, "mas foi quando cheguei aqui na Cornualha que vi isso aparecendo novamente e pensei, 'É muito surpreendente que 13 anos depois este Lego ainda esteja aparecendo'".

Foi aí que teve a ideia de criar uma comunidade para rastrear quem mais havia encontrado Legos, quais peças haviam encontrado e onde. Ela criou uma página no Facebook, e a BBC fez uma reportagem sobre o assunto, levando a uma enxurrada de contribuições.

As pessoas encontraram pequenos polvos coloridos, dragões, botes salva-vidas, nadadeiras de mergulho, tanques de mergulho, algas marinhas e muito mais, e relataram entusiasticamente suas descobertas na página.

"Finalmente", dizia um trecho de um relato recente, "depois de anos procurando, encontro minha primeira peça de Lego, perdida no mar."

O esforço coletivo se tornou um projeto amplamente seguido e resultou em um livro intitulado " Adrift: The curious tale of the Lego lost at sea" ("À deriva: A curiosa história do Lego perdido no mar", em tradução livre).

Ao longo dos anos, Williams registrou as peças encontradas, incluindo raros dragões verdes (apenas 514 estavam no contêiner) e polvos pretos (4.200) que se tornaram achados valiosos para os colecionadores. Ela mapeou onde os brinquedos apareceram —na costa inglesa, no País de Gales, França, Bélgica, Irlanda e nos Países Baixos. Mas é possível que as peças já tenham se espalhado pelo mundo todo.

Para o oceanógrafo Curtis Ebbesmeyer, não há dúvida sobre isso. Ele é conhecido por rastrear um derramamento de 1992, no qual milhares de patos de borracha e outros brinquedos de banho foram parar no Oceano Pacífico. Ele disse que as correntes oceânicas são "como a maior linha de metrô do mundo".

"Elas levam qualquer coisa, para qualquer lugar", disse ele.

A imagem mostra seis figuras de dragões de brinquedo dispostas em duas fileiras. As figuras são predominantemente pretas, com uma figura verde destacando-se na parte superior direita. Cada dragão tem um design estilizado, com detalhes como escamas e asas.
Mais de 33 mil dragões pretos e apenas 514 verdes estavam no contêiner que naufragou em 1997 - Guy Martin/The New York Times

Após o derramamento na Cornualha, Ebbesmeyer entrou em contato com a Lego para perguntar o que estava no navio. A empresa enviou a ele um inventário, juntamente com uma amostra dos tipos de peças que estavam no contêiner. Ele prontamente as testou em sua banheira quanto à flutuabilidade e descobriu que metade das peças flutuava.

Essa diferença poderia explicar as peças de Lego desaparecidas que caíram do Tokio Express em 1997 e ainda não apareceram. Williams disse que regularmente conversava com pescadores que descobriam as peças enquanto pescavam no fundo do oceano. Um tubarão de Lego, um dos 51.800 que estavam no contêiner, foi pego na rede de um pescador a 32 quilômetros da costa da Cornualha no final de julho. É o primeiro dos tubarões a ver a luz do dia em 27 anos.

"Apenas mais 51.799 para encontrar", escreveu Williams na página do Lego Lost at Sea.

Andrew Turner, professor de biogeoquímica marinha e ambiental na Universidade de Plymouth, na Inglaterra, disse que o Grande Derramamento de Lego foi um estudo de caso interessante por causa do conhecimento público sobre ele. Muitas vezes, os derramamentos de contêineres não são tornados públicos a menos que haja algo perigoso ou tóxico dentro.

O caso também é a "ponta do iceberg" quando se trata de poluição plástica nos oceanos, disse ele.

"Há tanto plástico no fundo do oceano que simplesmente não sabemos nada sobre isso, e quanto há, e quando e se vai aparecer", disse Turner.

O acidente com o contêiner criou um desafio esperado de relações públicas para a empresa que fabrica os brinquedos. Chamando o Grande Derramamento de Lego de "um acidente infeliz", um porta-voz do Grupo Lego disse que a empresa não "quer que as peças de Lego acabem no mar".

"Estamos comprometidos com nosso papel em ajudar a cuidar do planeta", disse o porta-voz. "Temos uma estratégia de sustentabilidade ambiciosa que visa deixar um impacto positivo para as gerações futuras."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.