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Derramamento de óleo no Nordeste completa 4 anos sem punição nem reparação

Em compasso de espera, pescadores e marisqueiras do Nordeste cobram apoio; biodiversidade de áreas atingidas não foi recuperada

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Salvador

O início do maior desastre ambiental que atingiu a costa brasileira completa quatro anos nesta quarta-feira (30) sem punição dos responsáveis, restituição ao governo brasileiro nem reparação das comunidades atingidas.

As primeiras manchas de óleo começaram a chegar às praias brasileiras em 30 de agosto de 2019. Desde então, foram recolhidas 5.300 toneladas de óleo em 1.013 localidades dos nove estados do Nordeste, Espírito Santo e Rio de Janeiro, em um trabalho que envolveu um batalhão de voluntários.

Óleo na praia do Viral, em Aracaju, em outubro de 2019; pescadores da região foram afetados - Raul Spinassé - 10.out.2019/Folhapress

O espalhamento do óleo em um trecho de cerca de 2.000 km do litoral brasileiro atingiu pescadores, marisqueiras, além de empresas e funcionários do segmento turístico, que amargaram prejuízos por cerca de um ano.

"Foi um grande crime ambiental e até hoje não tivemos reparo nenhum. O pessoal da pesca artesanal ficou um bom tempo passando necessidade. Ficamos sem pescar porque ninguém queria consumir", afirma a pescadora Joana Rodrigues Mousinho, 67, integrante da campanha Mar de Luta.

Moradora de Itapissuma, litoral norte de Pernambuco, Joana acompanhou de perto o impacto do derramamento de óleo, que atingiu praias, rios e estuários que são berçário de espécies de plantas e animais. Ela lembra que foram os próprios pescadores os primeiros a limpar as praias mesmo sem acesso a equipamento de proteção.

Isso porque o plano de contingência foi acionado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) somente 43 dias após o início da chegada das manchas à costa. A partir daí, a retirada do óleo começou a ser feita de forma coordenada por Forças Armadas e Petrobras, além de órgãos federais, estaduais e municipais.

Óleo na praia do Viral, em Aracaju, em outubro de 2019; pescadores locais foram prejudicados em desastre ambiental - Raul Spinassé - 10.out.2019/Folhapress

Mesmo com o recolhimento, os moradores permaneceram convivendo com os efeitos do óleo nas praias. O volume de pescado encontrado diminuiu, assim como de mariscos como sururus e ostras. "O que a gente pesca não dá para sobreviver direito", diz Mousinho.

Nesta terça-feira (29), um grupo de vítimas do derramamento de óleo, reunido na campanha Mar de Luta, fez um protesto em Brasília para cobrar justiça e celeridade nas indenizações. Os manifestantes foram recebidos por representantes da Secretaria-Geral da Presidência e ouviram promessas de apoio.

Levantamento do Comitê SOS Mar, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), aponta que ao menos 350 mil trabalhadores ligados à atividade pesqueira foram atingidos pelo desastre ambiental.

Houve redução da densidade populacional das espécies e aumento de doenças em corais nas regiões atingidas pelo óleo, aponta pesquisa conduzida pelo biólogo Francisco Kelmo, diretor do Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

A perda da biodiversidade chegou a quase 80% em quatro regiões pesquisadas. O número de espécies vivas em um espaço de 35 m2, que era de 88 antes da chegada do óleo, caiu para 17 em julho de 2020.

A densidade populacional das espécies também baixou de forma vertiginosa. Eram 446 indivíduos vivos a cada 35 m2 de praia, antes do óleo, número que caiu para 74 em julho de 2020. O branqueamento dos corais, que revela que eles estão doentes, chegou a 86% após o derramamento do óleo.

Quatro anos depois, a regeneração da população de invertebrados foi de 45% nas praias estudadas. O patamar é considerado discreto por Kelmo. A expectativa, diz o pesquisador, é que serão necessários ao menos dez anos para a retomada do cenário anterior ao desastre.

"Algumas espécies ainda não retornaram a essas praias, por isso a perda de biodiversidade. Temos ainda uma readaptação das teias alimentares que tem causado um certo empobrecimento no local, inclusive afugentando peixes de porte maior utilizados na culinária e na renda dos pescadores", diz.

As investigações da Polícia Federal apontaram o navio petroleiro NM Bouboulina, de bandeira grega, como o responsável pelo lançamento do óleo.

A empresa, o comandante e o chefe de máquinas do navio foram indiciados por crimes de poluição, descumprimento de obrigação ambiental e dano a unidades de conservação brasileiras. Ao todo, 14 unidades de conservação foram atingidas.

Voluntário mostra caranguejo sujo de óleo em praia de Cabo de Santo Agostinho (PE) em 2019 - Diego Nigro - 20.out.19/Reuters

Um laudo produzido por peritos da Polícia Federal estimou em R$ 525,3 milhões os danos causados pelo vazamento. O valor ainda deve ser atualizado quando for cobrado dos responsáveis e não representa a integralidade da estimativa

O inquérito foi remetido para o Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte, que desde então tem a tarefa de aprofundar as apurações sobre o caso e ainda não apresentou denúncia à Justiça. Procurada, a Procuradoria disse que a investigação corre em sigilo.

Depois de quatro anos, o óleo segue chegando ao litoral brasileiro em pequenas quantidades com a movimentação das marés e correntes marítimas, causando prejuízos para as comunidades tradicionais que vivem do mar.

Em junho de 2020, o óleo foi achado em praias de Pernambuco e Alagoas. Em agosto de 2021, em Fernando de Noronha. Já em agosto do ano passado, foram encontrados fragmentos em praias da Paraíba e de Pernambuco. Em outubro, novos fragmentos surgiram no litoral sul da Bahia.

Marcelo Laterman, porta-voz de oceanos do Greenpeace Brasil, afirma que o episódio serve de alerta para os impactos que o petróleo pode causar na natureza, na população e na economia.

"Manter a memória deste crime e seus impactos brutais é fundamental para que o país não volte a repetir os mesmos erros que atentam à sobrevivência dessas pessoas", afirmou.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atualmente discute a autorização para prospecção e exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, região considerada sensível do ponto de vista ambiental.

A medida provocou uma divisão no governo, opondo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o titular das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Em maio deste ano, o Ibama negou um pedido feito pela Petrobras para perfurar um poço com o objetivo de pesquisar petróleo na região.

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