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Economista-chefe do Santander Brasil

Descrição de chapéu Reforma tributária

Tiro no escuro

Uma estratégia ótima para melhorar o desenho da tributação sobre lucros corporativos deveria considerar a convergência aos padrões internacionais

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Ainda é pouco claro o conteúdo da Reforma Tributária da renda pretendida pelo governo. Os objetivos mais óbvios seriam: maior justiça contributiva, simplificação para redução de litígios e custos de transação, além de aproximação com padrões internacionais. A neutralidade da carga tributária sobre as empresas contempla um importante atributo adicional.

Contudo, um sinal sobre a reforma da renda foi enviado ao Congresso com a proposta de extinção dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), o que implica elevação da carga tributária sobre empresas dos mais diferentes setores. Esse é um tema ainda pouco conhecido pela sociedade e é aplicado somente para as maiores companhias, aquelas sujeitas ao regime do Lucro Real.

Ilustração mostra balança rústica em desequilíbrio - Amarildo

A tributação sobre a renda das empresas ocorre pela taxação do lucro gerado. Alguns países diferenciam a tributação dos lucros retidos na empresa, para financiar seu próprio crescimento, daqueles que são distribuídos para os acionistas e investidores na forma de dividendos. Esse mecanismo, conhecido como Allowance for Corporate Equities (ACE), procura incentivar a retenção de lucros na empresa, bem como menor endividamento.

Por aqui, o lucro é tributado pelo IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e pela CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Considerando os dois somados, a carga tributária é heterogênea em função do tamanho das empresas, pois coexistem diferentes regimes, tais como o Simples, o Lucro Presumido e o Lucro Real. As grandes companhias pagam entre 34% e 45%, contra pouco mais de 20% na média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

A carga tributária para as maiores empresas é assim tão alta porque se decidiu isentar a distribuição dos lucros (dividendos) e compensar essa medida com o aumento da carga nominal de impostos sobre os lucros das empresas (IRPJ/CSLL). Tecnicamente, seria uma opção por uma tributação única, ao invés de um modelo dual, no qual a alíquota corporativa é menor, mas os lucros distribuídos (dividendos) são tributados.

Mas nem tudo é tão simples em se tratando de tributos no Brasil. Logo após a implementação do Plano Real, introduziu-se um novo mecanismo. A ideia era considerar que parte dos lucros distribuídos seria equivalente à remuneração obtida pelos acionistas com a aplicação de seu capital em um ativo financeiro sem risco, que é o JCP. Essa parcela, presumida, passou a ser tributada como se fosse uma aplicação financeira, ou seja, a 15%, sendo dedutível da base do IRPJ/CSLL. Na prática, isso reequilibrou o impacto final da carga tributária sobre o lucro corporativo, a partir do fim da correção monetária dos balanços.

Em uma simulação simples, quando se incluem os efeitos do JCP, a carga tributária sobre grandes empresas é reduzida entre 6 e 8 pontos percentuais. Extinguir o mecanismo, portanto, traz um par de efeitos, tal como o aumento da carga tributária (em vez de 15%, uma parcela do lucro distribuído como JCP, limitada a 50%, será tributado a 34% ou 45%), com consequente aumento de custos para as empresas. Adicionalmente, o fim do JCP tende a ensejar comportamentos diferentes no referente à retenção ou à distribuição de lucros.

Por isso tudo, deveria fazer parte de uma estratégia ótima para melhorar o desenho da tributação sobre lucros corporativos reequilibrar o combo que envolve o IRPJ/CSLL, a tributação dos dividendos e o mecanismo do JCP. Por exemplo, se o lucro fosse tributado com taxas mais próximas à da renda das pessoas físicas (27,5%) para evitar arbitragens, e se os dividendos fossem tributados na sua totalidade a 15%, a extinção do JCP poderia reequilibrar a conta. Essa opção equivale a adotar a tributação dual (lucro corporativo + dividendos), como já ocorre em vários países.

Ademais, nesse reequilíbrio entre o IRPJ/CSLL e dividendos, o grupo dos regimes especiais (Simples e Lucro Presumido) também sofreria elevação de carga tributária, dado que a tributação sobre lucros distribuídos deveria ser homogênea. O tamanho da empresa que gera lucros nada tem a ver com o tamanho da renda dos seus acionistas. Um pequeno poupador pode ser investidor em ações de grandes companhias abertas, por exemplo.

Vale a discussão sobre a adoção do ACE, observando-se sempre a neutralidade tributária. Do lado do fisco, não há condição de haver perda de arrecadação, por causa do desequilíbrio presente nas contas públicas.

Fazer uma reforma tributária da renda neutra do ponto de vista arrecadatório, mudando o desenho do sistema para torná-lo mais simples, justo e eficiente, é o caminho correto. A decisão de reduzir ou aumentar a carga tributária no país é uma escolha social e está diretamente correlacionada com o nível dos gastos públicos e a sua capacidade de melhorar o bem-estar social para, assim, legitimar o sistema e reduzir comportamentos elisivos.

As discussões recentes sobre as reformas tributárias podem mudar a feição do país, tornando-nos uma sociedade mais eficiente, elevando a sua renda média. Mas, para isso, muito dependerá o desenho dessas reformas.

Tributar o lucro corporativo sem respeitar os princípios básicos de uma tributação ótima e elevar a carga tributária das empresas pode reduzir o potencial do crescimento do país e desperdiçar uma oportunidade que tão cedo poderá não ter o mesmo espaço para discussão.

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