Lula assina MP para tributar fundos de super-ricos e envia projeto das offshores

Presidente sanciona proposta que criou nova política de valorização do salário mínimo e aumentou faixa de isenção do IRPF

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta segunda-feira (28) uma medida provisória para taxar rendimentos de fundos exclusivos, dos chamados "super-ricos", e enviou um projeto de lei para tributar offshores.

As medidas foram tomadas para obter novas receitas e, segundo o governo, corrigir distorções na legislação. Parte dos recursos será usada para compensar a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda.

Lula assinou a medida provisória durante cerimônia no Palácio do Planalto, com presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). À esquerda da fotografia, Lula olha aperto de mãos entre Lira e Haddad. Lira, de costume preto, camisa branca e gravata azul claro, está com olhos baixos  e boca reta. Haddad, de costas, veste costume marinho e camisa branca.
Lula assinou a medida provisória durante cerimônia no Palácio do Planalto, com presença do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) - Folhapress

Fundos exclusivos são investimentos milionários em aplicações como ações ou renda fixa. Já offshores são empresas abertas fora do país de residência, geralmente em paraísos fiscais, onde a tributação é reduzida ou nula, como as Ilhas Cayman. Ambos podem ser usados para evitar pagamentos de impostos.

A MP e o PL foram anunciados pelo governo durante cerimônia no Palácio do Planalto, quando Lula sancionou a nova tabela do IR e o salário mínimo de R$ 1.320.

A tributação dos fundos passa a valer imediatamente, uma vez que MPs têm força de lei e devem ser aprovadas em até 120 dias no Congresso para não perder a validade.

Além de a MP dos fundos exclusivos gerar recursos para cobrir a queda de receita com as mudança no IR, o governo Lula afirma que as novas regras têm o intuito de tornar o sistema tributário mais equitativo e transparente. Segundo o Ministério da Fazenda, a MP vai "nivelar o campo de jogo entre diferentes formas de investimentos".

Durante o evento, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que as medidas buscam adequar o sistema tributário brasileiro ao de outros países mais desenvolvidos na área.

"Muitas vezes eu vejo na imprensa isso ser tratado como ação Robin Hood, revanche, e não é nada disso. O que estamos levando à consideração do Congresso, com muita consideração e respeito, é aproximar nosso sistema tributário do que tem de mais avançado no mundo", afirmou.

Antes da MP, os fundos exclusivos tinham vantagens em relação a outros investimentos. O principal exemplo é que a tributação era feita apenas no resgate, enquanto os fundos em geral têm seu rendimento tributado duas vezes por ano.

Outra vantagem do investidor do fundo exclusivo era a de conseguir sacar os recursos sem que a ação fosse classificada como resgate (em caso de necessidade dos recursos aplicados, é possível fazer apenas uma amortização). Isso abre a possibilidade de driblar a tributação de forma contínua.

A MP, agora, prevê uma taxação de 15% a 20% sobre os rendimentos desses fundos duas vezes ao ano —cobrança conhecida no mercado financeiro como "come-cotas".

A alíquota de 15% será aplicada independentemente da classificação do fundo e da composição da carteira, exceto para fundos de curto prazo, cujos títulos vencem em até 60 dias. Nesses casos, a alíquota será de 20%. Essas são as mesmas regras dos fundos abertos.

Além da taxação dos rendimentos, a MP determina que o IR será cobrado no momento do resgate ou venda das cotas que o investidor tem no fundo.

A taxação também ocorrerá quando for feita a amortização (nesse caso, transferência de patrimônio do fundo para o cotista) ou distribuição de rendimentos caso esses eventos ocorram antes da incidência da tributação periódica. Nesse caso, uma alíquota complementar será aplicada variando de 15% a 22,5% de acordo com o prazo da aplicação.

Segundo o governo, a MP tem potencial de arrecadar R$ 3,21 bilhões em 2023 e vai cobrir a maior isenção no IR após a tentativa anterior de compensação, voltada a offshores, ter sofrido resistência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Em 2024, a MP dos fundos tem previsão de chegar a R$ 13,28 bilhões em receitas. A expectativa é arrecadar outros R$ 3,51 bilhões em 2025 e R$ 3,86 bilhões em 2026.

A medida foi assinada com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), de Haddad, do ministro Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) e líderes do Congresso Nacional.

Também compareceu o próprio Lira, com quem o governo vem negociando uma reforma ministerial e com quem houve o ruído justamente a respeito das offshores.

PL para rendimentos no exterior

Já o PL trata da tributação anual de rendimentos de capital de residentes no Brasil aplicados no exterior, o que inclui offshores e as chamadas trusts —estruturas criadas para gestão de patrimônio.

As alíquotas são progressivas e variam de 0% a 22,5%. O texto é similar ao que estava na MP que ampliou a isenção na tabela do IR, mas agora foi transformado em projeto de lei, em razão de resistência no Congresso.

De acordo com o governo, cerca de R$ 1 trilhão (equivalente a cerca de US$ 200 bilhões) em ativos pertencentes a pessoas físicas está posicionado no exterior.

O projeto foi enviado com urgência constitucional para a Câmara e tem potencial para arrecadar R$ 7,05 bilhões em 2024, R$ 6,75 bilhões em 2025 e R$ 7,13 bilhões em 2026.

O texto propõe criar um regime uniforme e mais simples, defende o Ministério da Fazenda. As aplicações financeiras efetuadas no exterior estarão sujeitas a uma única tabela e terão alíquotas progressivas conforme o rendimento.

A pessoa física com rendimento no exterior de até R$ 6.000 por ano pode ter alíquota zerada. Essa pode ser a situação das pessoas que têm contas bancárias estrangeiras para arcar com pequenas despesas, como em viagens internacionais.

Já o rendimento acima de R$ 6.000 até R$ 50 mil por ano ficará sujeito à tributação pela alíquota anual de 15%. Renda superior a R$ 50 mil terá alíquota de 22,5% (sendo essa a alíquota máxima de aplicações financeiras de curto prazo no Brasil).

A nova regra vale para resultados apurados a partir de 1º de janeiro de 2024. Até 31 de dezembro de 2023, os valores serão tributados somente no momento da efetiva disponibilização do rendimento para a pessoa física.

Nesse caso, os contribuintes terão a opção de atualizar seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023, tributando a diferença para o custo de aquisição pela alíquota definitiva de 10%.

O texto também introduz o conceito de tributação das trusts, algo não era tratado anteriormente na legislação brasileira. Essa modalidade é uma relação jurídica em que o dono do patrimônio passa os seus bens para uma terceira pessoa administrar.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), sinalizou que os percentuais a serem cobrados das offshores devem mudar durante a tramitação da proposta no Congresso Nacional. "O projeto vai [para os parlamentares] e lá a gente negocia as alíquotas", afirmou brevemente.

A tributação das offshores já enfrentou grande resistência na Câmara. O governo tentou inclui-la na MP que tratava do reajuste do salário mínimo, mas a iniciativa sofreu revés e deputados ameaçaram não votar a pauta do mínimo —de grande interesse do governo.

Por isso houve recuo e o tema foi retomado em um projeto de lei com urgência constitucional (trancando a pauta da Casa em 45 dias), enviado agora pelo Executivo.

Entenda o que há em cada medida

Medida provisória sobre fundos exclusivos

  • Taxação de 15% a 20% sobre rendimentos de fundos exclusivos
  • Cobrança será realizada duas vezes ao ano (mecanismo chamado de "come-cotas") —diferentemente do que ocorre atualmente, em que a tributação é realizada apenas no resgate.
  • Além disso, cobrança de 15% a 22,5 (de acordo com o prazo de aplicação) no momento da amortização, resgate ou alienação de cotas, ou de distribuição de rendimentos, se ocorrerem antes da data de incidência da tributação periódica
  • Será tributado com alíquota de 10% quem optar por iniciar a arrecadação em 2023; é necessário fazer o pagamento integral do imposto para ter direito ao benefício
  • Regras da MP têm efeito imediato de lei, mas precisam ter aprovação do Congresso em quatro meses para continuarem valendo. Arrecadação estimada é de R$ 3,21 bilhões em 2023 (valor usado para compensar a perda de receitas decorrente da maior isenção na tabela do IR). Em 2024, receita é de R$ 13,28 bilhões; em 2025, R$ 3,51 bilhões; em 2026, R$ 3,86 bilhões.

Projeto de lei sobre offshores

  • Prevê tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior, com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Hoje, tributação é aplicada apenas quando dinheiro é resgatado e remetido ao Brasil
  • Texto introduz conceito de tributação de trusts, algo não tratado na legislação brasileira. Essa modalidade refere-se a uma relação jurídica em que o dono do patrimônio passa os seus bens para uma terceira pessoa administrar
  • Possibilidade de contribuinte atualizar o valor de seus bens no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023 e tributar o ganho de capital pela alíquota de 10%, em lugar dos 15% previstos na legislação vigente
  • Projeto foi enviado com urgência constitucional para a Câmara dos Deputados e tem potencial de arrecadação de R$ 7,05 bilhões em 2024, R$ 6,75 bilhões em 2025 e R$ 7,13 bilhões em 2026
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