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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

A quinta revolução industrial

Estudos trazem o germe da solução da crise: vamos botar crianças para trabalhar

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A notícia mais importante da semana passou quase despercebida. Segundo matéria no UOL, “estudo francês indica que as crianças não são um importante vetor de contágio do novo coronavírus”. Em Paris, dezenas de pediatras acompanharam centenas de pessoas entre 0 e 15 anos durante o pico da pandemia.

A conclusão foi que as crianças ou não pegavam o vírus ou pegavam com sintomas leves e —aí é que está a maravilha—raramente infectavam adultos. O pediatra infectologista Robert Cohen, do Hospital Intercomunal de Créteil, afirmou que os menores deveriam voltar às escolas e a ver os avós. “As crianças precisam voltar a ter uma vida de criança”, afirmou ao jornal Le Monde.

Comemoro os resultados, mas discordo veementemente da interpretação. Caro doutor Cohen, dizer que crianças precisam voltar a ter vida de criança é querer retornar ao mundo pré-Covid. Mundo este que todos os filósofos, cientistas sociais, gurus, youtubers e palpiteiros em geral dizem que jamais existirá novamente. Precisamos pensar grande. Revolucionar a existência. Forjar um “novo normal” no sonho e na esperança. Doutor Cohen não sabe, mas seus estudos trazem o germe para a solução da enorme crise econômica que atravessamos: vamos botar as crianças para trabalhar no nosso lugar.

Matamos assim dois coelhos com uma cajadada só: voltamos a fazer a economia girar e saímos deste ciclo doentio de quarentena com filhos em casa, 24 horas por dia, negando e cedendo iPad e açúcar a cada quinze minutos. “Não, não pode comer Danette de café da manhã!”, “Pelo amor de Deus, me deixa ler o jornal! Vai, come Danette de café da manhã”. “Não! Não pode ver iPad duas da tarde!”. “Tô numa reunião! Tó aqui o iPad! Só não vai assistir Chiquititas”. “Pelo amor de Deus! Vou ser demitido! Vai! Assiste Chiquititas! Comendo Danette!”.

Claro que para botar crianças em fábricas teremos que repensar os métodos de produção. Teremos que dourar (ou açucarar) a pílula. Transformar o sistema fabril numa espécie de gincana, reformar indústrias para que se assemelhem a bufês infantis. Um esquema tipo o que o personagem do Roberto Benigni inventa pro filho em “A Vida é Bela”.

Podemos ter, por exemplo, uma fábrica Volkswagen-Power Rangers. A Marfrig-Peppa Pig. O ABC Paulista pode ser o ABCdário da Xuxa Paulista. (Talvez tenhamos que fazer um coaching pras crianças saberem quem é a Xuxa, mas tudo bem.) Infantes conduzindo ônibus e caminhões devem acreditar que estão num videogame. Os pagamentos serão em M&Ms, de modo que poderemos reinvestir trilhões de dólares de salários em pesquisas para a vacina e tratamento dos doentes.

Haverá, claro, os chatos de sempre dizendo que trabalho infantil é um absurdo, que devemos preservar a ingenuidade das crianças e blá-blá-blá. Esses malas, tenho absoluta certeza, não estão quarentenados com crianças. Caso estivessem, saberiam que crianças tão hábeis em manipular os pais e tão fortes para fazer birras homéricas são perfeitamente capazes de trabalhar na bolsa de valores e mexer com tornos.

Vou além: o capitalismo vive do egoísmo e quem é mais egoísta do que as crianças? A quinta revolução industrial está prestes a começar. Vai ser lindo. Não tem como dar errado. E por que daria? Temos há um ano e meio um bebê na presidência da república e as coisas estão indo super bem. Não estão?

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