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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Salve, Jorge!

Autores são tão desvalorizados que daqui a pouco não serão mencionados em críticas de suas próprias obras

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Faz uns anos, recebi o convite para escrever um filme e não sabia quanto cobrar. Perguntei pro João Emanuel Carneiro, autor de "Central do Brasil", "Avenida Brasil" e outras obras-primas não terminadas em "Brasil". João me sugeriu um valor estratosférico. "João, cê tá louco?! É muito." "Antonio, cobra o máximo que você conseguir, porque depois desse dinheiro você não vai receber deles nem convite pra estreia." Ele tinha razão. Não recebi nem convite pra estreia, nem o valor que eu pedi —uma fração ínfima do que me foi sugerido. Eis um bom retrato da moral que os roteiristas têm na indústria cinematográfica.

Ilustração de Jorge Amado, autor de 'Dona Flor e Seus Dois Maridos' - Adams Carvalho

Semanas atrás a Mattel, ainda surfando no sucesso do filme da Barbie, lançou uma caixa temática "Women in film", com uma Barbie executiva de estúdio, uma diretora, uma diretora de fotografia e uma atriz. As (e os) roteiristas dos EUA ficaram furiosas (os), com razão. Os caras fizeram uma greve de 148 dias por melhores salários e condições de trabalho, obrigaram a indústria do audiovisual a sentar-se na mesa e conseguiram praticamente tudo o que queriam —mas ainda não têm uma Barbie pra chamar de sua. A piada aqui no Brasil é que somos uma categoria tão desaplaudida que em breve lançarão nossa boneca: a Susie roteirista.

Embora no cinema, tanto nos EUA quanto no Brasil, os roteiristas sejam eclipsados pelos diretores, lá, pelo menos na TV, é diferente. Desde que surgiram "The Wire", "Sopranos", "Breaking Bad" e outras séries da chamada "segunda época de ouro da TV americana", os autores passaram a dar as cartas. São eles os "showrunners", produtores executivos mais importantes dos programas. Na TV brasileira, o único gênero em que o autor ainda é muito valorizado é a novela.

Nas séries, não. Embora tenhamos importado o bem-sucedido modelo de sala de roteiro, um autor experiente comandando uma sala com diversos roteiristas (e mesmo que muitas vezes a obra seja um projeto destes autores), os escritores ganham menos que os diretores, têm que lutar pelos créditos corretos e nunca, jamais são mencionados nas críticas dos jornais —com a honrosa exceção da Luciana Coelho, aqui na Folha. É como se tivesse sido realizado o mote do Cinema Novo, "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão" —quer dizer, nenhum roteiro. O diretor grita "ação!", todos os atores começam a improvisar, até que, quando veem, milagrosamente, tá lá, prontinha, uma série com quatro temporadas de 12 episódios cada.

O que acontece é que como grande parte das séries é feita por produtoras e como grande parte das produtoras costuma pertencer a diretores, o autor acaba escanteado. Uma amiga minha foi a autora principal de uma série brasileira para um streaming americano e ganhava menos do que o assistente de direção.

Outro dia a pindaíba autoral chegou ao paroxismo. Li no Guia Folha dicas de dez peças para assistir num feriado. O teatro é, por excelência, a arte do autor. Todo mundo conhece Aristófanes, Ésquilo, Sófocles, Shakespeare, Tchekhov, Nelson Rodrigues, mas quase ninguém faz ideia de quem dirigiu suas peças. Pois o Guia mencionava o diretor e atores das dez peças, mas nenhum dos autores. É pior do que não ter Barbie. Nem Susie.

Tô esperando a hora em que lerei uma resenha literária e encontrarei no serviço: "Dona Flor e Seus Dois Maridos, 568 páginas, Editora Lua Cheia, Ilustrações de Carybé". Salve, Jorge! (Digo "salve" no intuito de protegê-lo, mesmo, não de comemorá-lo).

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