Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"
Salve, Jorge!
Autores são tão desvalorizados que daqui a pouco não serão mencionados em críticas de suas próprias obras
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Faz uns anos, recebi o convite para escrever um filme e não sabia quanto cobrar. Perguntei pro João Emanuel Carneiro, autor de "Central do Brasil", "Avenida Brasil" e outras obras-primas não terminadas em "Brasil". João me sugeriu um valor estratosférico. "João, cê tá louco?! É muito." "Antonio, cobra o máximo que você conseguir, porque depois desse dinheiro você não vai receber deles nem convite pra estreia." Ele tinha razão. Não recebi nem convite pra estreia, nem o valor que eu pedi —uma fração ínfima do que me foi sugerido. Eis um bom retrato da moral que os roteiristas têm na indústria cinematográfica.
Semanas atrás a Mattel, ainda surfando no sucesso do filme da Barbie, lançou uma caixa temática "Women in film", com uma Barbie executiva de estúdio, uma diretora, uma diretora de fotografia e uma atriz. As (e os) roteiristas dos EUA ficaram furiosas (os), com razão. Os caras fizeram uma greve de 148 dias por melhores salários e condições de trabalho, obrigaram a indústria do audiovisual a sentar-se na mesa e conseguiram praticamente tudo o que queriam —mas ainda não têm uma Barbie pra chamar de sua. A piada aqui no Brasil é que somos uma categoria tão desaplaudida que em breve lançarão nossa boneca: a Susie roteirista.
Embora no cinema, tanto nos EUA quanto no Brasil, os roteiristas sejam eclipsados pelos diretores, lá, pelo menos na TV, é diferente. Desde que surgiram "The Wire", "Sopranos", "Breaking Bad" e outras séries da chamada "segunda época de ouro da TV americana", os autores passaram a dar as cartas. São eles os "showrunners", produtores executivos mais importantes dos programas. Na TV brasileira, o único gênero em que o autor ainda é muito valorizado é a novela.
Nas séries, não. Embora tenhamos importado o bem-sucedido modelo de sala de roteiro, um autor experiente comandando uma sala com diversos roteiristas (e mesmo que muitas vezes a obra seja um projeto destes autores), os escritores ganham menos que os diretores, têm que lutar pelos créditos corretos e nunca, jamais são mencionados nas críticas dos jornais —com a honrosa exceção da Luciana Coelho, aqui na Folha. É como se tivesse sido realizado o mote do Cinema Novo, "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão" —quer dizer, nenhum roteiro. O diretor grita "ação!", todos os atores começam a improvisar, até que, quando veem, milagrosamente, tá lá, prontinha, uma série com quatro temporadas de 12 episódios cada.
O que acontece é que como grande parte das séries é feita por produtoras e como grande parte das produtoras costuma pertencer a diretores, o autor acaba escanteado. Uma amiga minha foi a autora principal de uma série brasileira para um streaming americano e ganhava menos do que o assistente de direção.
Outro dia a pindaíba autoral chegou ao paroxismo. Li no Guia Folha dicas de dez peças para assistir num feriado. O teatro é, por excelência, a arte do autor. Todo mundo conhece Aristófanes, Ésquilo, Sófocles, Shakespeare, Tchekhov, Nelson Rodrigues, mas quase ninguém faz ideia de quem dirigiu suas peças. Pois o Guia mencionava o diretor e atores das dez peças, mas nenhum dos autores. É pior do que não ter Barbie. Nem Susie.
Tô esperando a hora em que lerei uma resenha literária e encontrarei no serviço: "Dona Flor e Seus Dois Maridos, 568 páginas, Editora Lua Cheia, Ilustrações de Carybé". Salve, Jorge! (Digo "salve" no intuito de protegê-lo, mesmo, não de comemorá-lo).
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters