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Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

E eu com isso?

O chão que pisamos nunca será firme se faltar chão para os outros

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Quando recebemos a notícia de um terremoto que acontece do outro lado do hemisfério, o abalo também tem que ser nosso. Da firmeza do chão que nos sustenta, podemos nos compadecer, rezar, lamentar e até colaborar de alguma forma. Mas temos também que parar. E pensar. Porque tem coisas que a gente só consegue enxergar no meio de cinzas e crateras, o choque logo passa, a vida naturalmente nos acomoda no nosso micromundo. É essa a natureza humana: é a forma como ela nos defende da nossa própria fragilidade. Por isso, enquanto estivermos comovidos, devemos enxergar como tratamos o que extrapola a nossa individualidade. É a hora propícia para tentarmos entender que o chão que pisamos nunca será firme se faltar chão para os outros. Essa é a maior ajuda que podemos oferecer ao mundo, esse é o maior legado que podemos deixar. Compreender que tudo o que acontece em qualquer parte do mundo, da camada de ozônio na estratosfera ao núcleo terrestre, é problema nosso.

Homem acompanha missão de resgate em ruínas de prédios destruídos pelo terremoto em Kahramanmaras, na Turquia - Adem Altan - 8.fev.23/AFP

O estrondo de um minuto e meio silenciou conflitos externos de décadas na região, fez a guerra dar uma pausa. Penetraram, nos rasgos da terra chacoalhada, calores humanos que degelaram momentaneamente o ódio. Fronteiras deixaram de ser barreiras por alguns dias. Chegaram voluntariamente mãos estrangeiras, vindas de países não amigos, para se somar às mãos locais e, juntas, cavar esperanças nos destroços. As línguas eram diversas, as religiões eram diversas, as ideologias eram diversas; o objetivo, um só. Cada criança encontrada com vida era o renascimento de todos que estavam lá, cada coração que batia entre os restos do prédio que desabou, a descoberta de um milagre.

Mas o milagre revelado de encontrar pessoas vivas soterradas, não é diferente do milagre da vida que se apresenta disfarçadamente no nosso dia a dia. O milagre do bebê que veio ao mundo no meio dos escombros, não é diferente do milagre que é renascer todos os dias. Milagres desvelados são alertas da natureza, que vêm para provocar rachaduras no que chamamos de normalidade, para romper a bolha do nosso universo particular. Nunca vamos entender as razões de tragédias como esta, nossa parte é nos deixar chacoalhar, deixar romper a casca que nos protege, sair do nosso epicentro, para fazer caber dentro de nós coisas que aparentemente não são da nossa conta.

Fico com a emblemática imagem da menina Ilaaf (que na língua urdu significa proteção), que durante dezessete horas soterrada acarinhou o irmão mais novo e protegeu a sua cabeça com seu braço. Se acontecer uma parte desse milagre da generosidade em cada um de nós, teremos honrado e respeitado as vidas perdidas.

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