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Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Comida: a cura e a doença

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Era para ser só um sanduíche. Fiquei na dúvida se comia os dois pães ou só um, mas aí deixaria de ser sanduíche. Eu poderia eliminar o miolo (o do pão) e comer as duas cascas com a carne (vegana, é claro), mas viraria um wrap. Pensei em tirar o molho, mas o sanduíche perderia a graça. Por outro lado, só para queimar as calorias do molho eu precisaria de 20 minutos de esteira. Em contrapartida, eu tinha o crédito da batata (doce, é claro) que tinha renunciado no almoço. Tantas conjecturas me deixaram com fome. Eliminei o miolo (o da minha cabeça), engoli as dúvidas, devorei o sanduíche completo, com a batata-doce da geladeira e o molho indigesto das culpas junto.

Não se come mais sem medo, sem culpa, sem calculadora, sem obsessão. O prazer de comer —que era para ser uma bênção— passou a ser uma heresia, a fonte de pecados: é desse tipo de prazer desenfreado que se alimentam a Gula e a Luxuria; é da dieta rigorosa e do culto ao corpo que cresce a Soberba e faz nascer a Inveja; é do apego excessivo à comida que se revela a Avareza; é nas coisas indigestas que engolimos que se fermenta a Ira; é na renúncia ao autocontrole que mora a Preguiça.

Como motriz da nossa energia e sobrevivência, o ato de comer virou uma causa em si, solução e problema, cura e doença. Isso porque alguns vazios pedem muito mais do que o corpo precisa, enquanto outros vazios pedem a falta. Se o prazer de ingerir em excesso não dura muito tempo, o comedimento exagerado tem o seu gosto amargo.

Comer em demasia é o dane-se, o ronco de noite, a promessa descumprida, o prazer bruto, o rosto oleoso, o estrangulamento do estômago, o arrependimento, o suspiro dos sonhos, a suruba das vontades, os gases e o arroto, o moletom, a vergonha, a auto sabotagem, a delícia, o disfarce.

Comer de menos é a negação, o auto sacrifício, o osso que salta, a foto no Instagram, o ronco do estômago, a calça justa, a alface no dente, o narcisismo, a cetose, o espelho côncavo, a chatice, a frivolidade, o anel largo no dedo, o tédio.

E nessa relação paradoxal que escolhemos renunciar, ou renunciamos escolher, que nos defendemos dos sanduíches que nos atacam diariamente. Enquanto isso, os que não têm o que comer se defendem com o que sobra de nós.

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