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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Morar no condomínio de Jair Bolsonaro rendeu muitos episódios do 'CSI Minha Vida'

Sempre que falta assunto, alguém pede: conta no condomínio de quem você morou, conta

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Não queria falar sobre ele. Listei assuntos alternativos, para não ter nem que digitar aquele nome. Mas toda semana, alguém próximo pede: “Ah, escreve sobre sua vida no condomínio do (não digo, me recuso)”.

Tento afastar pensamentos nefastos. Recordo minha ingênua infância à beira-mar, andando de bicicleta. Afofando gatinhos e pulando elástico. Brincando de elefantinho colorido, pique esconde, polícia e ladrão...

“É sério? No Vivendas da Barra Pesada???” Sempre assim: a ternura das minhas memórias sendo interrompida pelo cutucão real ou virtual dos fatos, pois em todos os grupos recebo memes e sofro bullying.

“Olha ela: ex-condomínion!”

“O lugar é ótimo, o que mata é a vizinhança.”

Miliciano pede açúcar ou manda bala?”

Meu avô comprou nossa casa –ironia das ironias, a de número 17– quando a Barra da Tijuca era praticamente areia. O condomínio não tinha muros. Os carros dormiam destrancados. O sorveteiro vendia picolé fiado. Lembro que...

“Conta logo do vizinho traficante.”

Foi o episódio mais tosco do "CSI Minha Vida". Helicóptero sobrevoando nossa rua. Até aí, tranquilo. Por mais de 30 anos, reza a lenda que um ônibus vendia churros de cocaína numa praça ali perto e ninguém nem nada. O problema foi num sábado à noite, eu saindo do banho. Papai e meu então namorado no andar de baixo. Um deles grita: “Tá vestida? A polícia tá subindo!”.

Surgem, então, quatro agentes. O plano consistia em estourar o esconderijo do vizinho trafica, indo pelo nosso telhado. Barrigudo e suado, um dos policiais pede: “Segura aqui, garota!”. Era um fuzil AR-15. Eu de toalha na cabeça. “Vem, gente!” Pisando na colcha da cama, eles pulam a janela.

O barrigudo quase entala, atrapalhado nível Didi Mocó. Por um minuto, achei que esqueceriam o fuzil e levariam meu secador de cabelo.

“E aí?” Vida bandida que segue: o meliante já tinha vazado. Anos depois, Marielle é morta e descobrem um dos acusados morando lá. O resto é coletiva em prancha de surfe, treta na portaria, “gripezinha”. E a nostalgia difícil da juventude e das rodadas de Jogo da Vida com alguns que, hoje, são contra máscara e lockdown.

Por sorte ainda gosto de Scrabble e Dicionário, mas encerro sem formar o nome ou definir aquela figura. Não preciso. Há poucos dias, manifestantes ergueram uma faixa na porta do condomínio. Dizendo com todas as letras: “O genocida mora aqui”.

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