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Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

Descrição de chapéu Estados Unidos

A estranha dignidade do absinto

Toby Maloney criou o drinque Neptune's Wrath, com a fada verde que embriagava Algren, Rimbaud e Baudelaire

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Tchú-tchurú-tchú-tchú-tchú-tchurú-tchú. Nessa toada malandra caminham pelo lado selvagem de Nova York: Candy, Holly, Little Joe, Jackie e Sugar Plum Fairy, personagens reais da Factory, de Warhol. A canção de Lou Reed começou pela leitura de "A Walk on The Wild Side" ("Um Passeio pelo Lado Selvagem"), de Nelson Algren.

Em seu romance, o escritor trata de figuras do submundo na Nova Orleans da depressão de 1930. Prostitutas, contrabandistas de bebidas, jogadores, bêbados e desempregados fazem o passeio pelo fio da grande navalha. Possuem, como disse o poeta Carl Sandburg, "a estranha dignidade da meia-noite".

O romancista norte-americano Nelson Algren e a escritora francesa Simone de Beauvoir, em Chicago, em 1947 - Reprodução

Algren faria 115 anos neste dia 28. Também ficou conhecido pelo livro "O Homem do Braço de Ouro", história de vício que foi às telas com Sinatra no papel central. Mais famosa ainda é a relação de 17 anos que manteve com a autora de "O Segundo Sexo", num triângulo amigável com Sartre.

Tumultuado pela índole autodestrutiva de Algren, o affair era vivido com um oceano de distância e a barreira parcial da língua. Gerou um conjunto formidável de cartas, mas só as de Beauvoir foram reunidas num volume. Algren, também retratado em "Os Mandarins", adivinha-se nas lacunas do diálogo apaixonado.

Entre tantos momentos coquetelares, com mistura inebriante de assuntos, ela conta, ao longo de três cartas, de sua viagem com Sartre ao Brasil em 1960, num misto de deslumbramento e exaustão. Conheceram Brasília no berço, a Amazônia, a cultura negra de Salvador e mais.

Outra missiva, bem anterior, começa: "Meu Nelson, meu amor. Você conhece o lindo poema de Verlaine, ‘Chora em meu coração/como chove na cidade…’. É exatamente meu estado de espírito hoje." O poeta francês faria 180 anos neste dia 30.

Não são poucas as semelhanças entre ele e o romancista estadunidense, ainda que as diferenças possam ser maiores. Ambos eram assíduos frequentadores do bas-fond e tinham certo desprezo pela burguesia, preferindo conviver com os marginalizados.

Ambos bebiam muito e viviam reclusos durante boa parte do tempo, tendo morrido em relativo esquecimento (Verlaine: "A glória é um modesto e efêmero absinto"). E ambos ficaram mais famosos por seus amantes do que por suas obras. "O príncipe dos poetas" teve um caso explosivo com Rimbaud, por quem perdeu a cabeça e foi preso, depois de lhe dar dois tiros.

Algren também passou um tempo na cadeia, pelo roubo de uma máquina de escrever. Imagino o que Verlaine escreveria a respeito, com seu ouvido excepcional para o ritmo.

Como todos os gauleses chamados de malditos, o autor de "A Voz dos Botequins" tomava absinto em doses diárias, que certamente Algren provou nos passeios parisienses com Beauvoir ou em Nova Orleans.

Na Chicago em que viveu a maior parte do tempo, há um bar inspirado em um conto seu, o Neon Wilderness. E há o The Violet Hour, onde Toby Maloney criou o Neptune’s Wrath, com a fada verde que embriagava Rimbaud, Baudelaire, Jarry e Wilde.

Como Algren, Beauvoir, Sartre —e muitos outros artistas e intelectuais— são nomes que provocam urticárias nos poucos militares brasileiros que os conhecem.

Beber pode ser uma forma sutil de repúdio. Sem anistia.


NEPTUNE'S WRATH

45 ml de gim

7,5 ml de absinto

22,5 ml de suco de limão siciliano

15 ml de xarope de açúcar

clara de um ovo

7,5 ml de Chartreuse Verte

Bata os cinco primeiros ingredientes a seco na coqueteleira. Depois, bata novamente com um gelo grande e coe duplamente para uma taça coupe gelada. Coloque o Chartreuse num dosador comprido e o acenda com fósforo. Despeje lentamente na taça.

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