Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim
Descrição de chapéu América Latina

O mexicano paloma é sempre motivo de fiesta

Sua constituição é um embate de sabores: o doce, o amargo, o azedo e o salgado

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Uma canção muito popular tem, além de qualidades evidentes, a força de um mistério. Não é fácil entender por que uma sequência de notas nos emociona. É algo místico e fisiológico. Acontece o mesmo, às vezes, na solidão ruidosa de um bar, quando um coquetel ilumina recônditas regiões sensoriais.

Com cerca de duas mil versões e entrada no Guinness, "La Paloma" nasceu em Havana, em 1863, pelas mãos do basco Sebastián de Iradier y Salaverri. Entusiasmado com a música local, compôs uma habanera, ritmo lento e dançante, próximo do bolero. A capital cubana também é mencionada na letra.

Salaverri morreu pouco depois, sem testemunhar o sucesso de sua criação —e isso em vários gêneros, do mambo à ópera. Alguns nomes ilustram as cores do leque: Julio Iglesias, Elvis Presley, Joan Baez, Maria Callas, Paulo Moura com Yamandu Costa e os insuperáveis Tonico e Tinoco, com "A Pombinha", em bom português.

A habanera também nomeia aquele que é tido como o coquetel nacional do México, em que pese a existência do mais famoso margarita.

Juram de pés juntos que o néctar da terra de Chaves surgiu no antigo bar La Capilla, na cidade de Tequila, em Jalisco. No entanto, o dono, Don Javier Delgado Corona, suposto autor da mistura, garante que não —uma raridade no faroeste da coquetelaria.

Don Javier está satisfeito em ser o pai do batanga, um cuba libre com tequila no lugar do rum. E com a fama de sua cantina modesta, que nem por isso deixa de ser excepcional. Existe uma pátina lendária naquele balcão, por certo. A região, centro terrestre da produção de tequila, é o reino mágico do agave.

"O mexicano não é uma essência, e sim uma história", escreve Octavio Paz no seu belo livro de ensaios "O Labirinto da Solidão". E história é o que não falta. A começar da canção. "La Paloma" era a melodia favorita da imperatriz Carlota de México. Republicanos contra-atacaram com uma sátira, e a pomba da paz virou cabo de guerra na disputa política.

A impressão de que era uma música da família dos mariachis, também de Jalisco, ganhou mundo. Em "O Crime do Padre Amaro", Eça de Queiroz cita a habanera como uma "velha canção mexicana".

Como "somos inseparáveis de nossas ficções", a letra pode ser inspirada no naufrágio de uma embarcação persa, há 2.500 anos. Os gregos, seus inimigos, teriam visto pombas voando do convés, já coberto pela água. Acreditava-se que eram mensageiras levando cartas às amadas dos marinheiros. "Se aparecer uma pomba na sua janela/ trate-a com carinho, pois eu sou ela", ecoa o refrão.

De alguma forma, lembra outro trecho de Paz, que considerava a história como ciência e poesia: "No alarido da noite de festa, nossa voz explode em luzes, e vida e morte se confundem".

Nada mais mexicano. El día de los muertos o comprova. Com a exuberância de tradições indígenas, cores e enfeites intrincados dão forma a alegres temas fúnebres.

O paloma nasce dessas vívidas contradições. Sua própria constituição é um embate de sabores: há o doce, o amargo, o azedo e o salgado, fazendo a fiesta de todas as papilas gustativas. Curiosamente, a canção virou tema tradicional em casamentos na evocativa Zanzibar, cujo nome é de origem… persa.

Arriba, abajo, al centro, adentro!

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Paloma, drinque servido no Camélia Òdòdó, restaurante de Bela Gil, na Vila Madalena, em São Paulo - camelia_ododo no instagram

PALOMA

60 ml de tequila

25 ml de xarope de toranja (grapefruit)

15 ml de suco de limão

água com gás

uma pitada de sal

Ponha bastante gelo num copo highball, acrescente os ingredientes e mexa bem. Finalize com a água gasosa até o topo e decore com uma fatia de limão.

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