Siga a folha

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

Descrição de chapéu
Erika Hilton

A democracia da (in)justiça reprodutiva: mulheres negras pedem reparação

Constância da violência contra nossos corpos mostra que o banquete da cidadania só é aberto a determinados gêneros, raças, classes e identidades

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Erika Hilton

Deputada federal (PSOL-SP), é presidenta da Frente Parlamentar Mista por Cidadania e Direitos LGBTI+ do Congresso Nacional

As demandas por justiça reprodutiva emergem da luta por justiça social - no enfrentamento à mortalidade materna e ao aborto inseguro e criminalizado - assim como dos índices de violência doméstica e de violência sexual contra nossas crianças e adolescentes. A mobilização por justiça reprodutiva é também um motor histórico das mulheres negras: a Lei do Ventre Livre, que, em 1871, determinou que os filhos nascidos das mulheres escravizadas fossem livres, demonstra o quão essencial é a luta das mulheres negras para aprofundar o debate político sobre mudanças estruturais necessárias na nossa sociedade.

Direitos reprodutivos - Catarina Pignato

Reflexo da democracia da (in)justiça reprodutiva, em mais uma guerra contra meninas e mulheres, especialmente negras, que são as maiores vítimas de estupro, temos agora a tramitação do PL 1904/2024. O chamado de PL da Gravidez Infantil, ou até mesmo PL do Estuprador, quer tornar crime hediondo o aborto de mulheres e meninas vítimas de violência sexual e tem impedido a interrupção da gestação de muitas crianças estupradas antes mesmo de sua possível aprovação como lei.

No país da fajuta "democracia racial", a constância da violência e do vilipêndio do corpo de mulheres negras demonstra mais uma vez que participar do "banquete" da cidadania no Brasil só é permitido a determinados gêneros, CEPs, raças, classes e identidades, especialmente quando o assunto é justiça reprodutiva. Eu, como uma mulher negra e travesti, não me deixo esquecer disso nem por um minuto.

A mobilização das mulheres contra o absurdo do PL 1904 tomou a sociedade brasileira, tornando-se, a partir da defesa da justiça reprodutiva, um chamado contra todas as desigualdades que afetam nossas trajetórias. A luta por justiça reprodutiva fornece um ambiente político para as nossas aspirações que engloba todas as questões relacionadas à justiça social, aos direitos humanos e às políticas de reparação, inclusive em defesa do aborto legal e do enfrentamento à mortalidade materna, dois dos principais problemas de saúde reprodutiva no nosso contexto.

Segundo o IBGE, 33,5% das mulheres negras vivem em domicílios em que o rendimento domiciliar per capita encontra-se abaixo da linha de pobreza. No que diz respeito ao trabalho, quase 48% de nós estamos em ocupações informais, ou seja, elementos de proteção social tais como como a garantia do salário mínimo e a aposentadoria são exceções em nossas vidas. Quando o assunto é saúde, lideramos as estatísticas de morte materna, somos as que menos acessam os cuidados de pré-natal e pós-parto, além de sofrermos com os maiores índices de violência e racismo obstétrico e com o mau atendimento e acolhimento em saúde. A violência do Estado também atinge mais nossos territórios e nossos filhos. São as meninas e mulheres negras as que mais são estupradas, têm casamentos infantis e são criminalizadas pela prática do aborto.

A violência política de gênero e raça, a LGBTfobia, a violência institucional e o racismo obstétrico são alguns dos diversos atravessamentos que nos conectam como mulheres negras num país dominado pelo racismo e pelo sexismo. Afinal, somos 28% da população brasileira, o maior grupo populacional do país, mas, pelos indicadores das condições de vida, o nosso perfil é o da subcidadania, da marginalização e de quem mais sofre com a (in)justiça reprodutiva.

Por isso, nos vale muito refletir sobre os passos que damos em busca da justiça reprodutiva. Foi por meio dessa estratégia, afinal, que chegamos até mesmo à abolição da escravatura. Devemos ser firmes em lutar por reparação e por uma democracia com justiça reprodutiva para todas nós. Quem sabe aonde poderemos chegar?

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas