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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Bancos que lucraram bilhões deveriam pagar bilhões para combater o coronavírus

Instituições financeiras grandes e pequenas estarão aquém do que devem doar à população

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Em tempos de pandemia, o projeto colonial dos grupos herdeiros dominantes para a precarização social e política de grupos subalternizados está cobrando um alto preço, com consequências para toda a população.

A desigualdade de renda no país, uma das maiores do mundo, se soma à falta de estrutura pública, que está muito aquém em termos de serviços, de pessoal e de remuneração; se soma ao desmonte do pouco que existe na esfera pública sob as mãos de governantes despreparados e eleitos com um discurso precarizante.

Mas uma diferença brasileira, e penso que de outros países com fortes raízes coloniais, é que por aqui temos uma elite que detesta o país, visto que se pensa da metrópole. ​ Sejam os grandes bancos, sejam os “pequenos”, certamente estarão aquém do que devem doar à população que paga uma das maiores taxas de juros do mundo.

Publicada nesta sexta-feira, 10 de abril de 2020 - Linoca Souza/Folhapress

Segundo notícias amplamente veiculadas na mídia, o banco Safra se dispôs a doar R$ 30 milhões para a urgência da crise em todo o país. Se for olhar em comparação com o montante de milhões reunidos pelos grandes bancos, seria um valor “generoso”. Há anos ouvindo o comentário econômico e o que o mercado quer, o sujeito desavisado quanto à extensão da desigualdade social no Brasil poderia achar que se trata de um volume insuperável de dinheiro, um valor, que, por vezes, é menos da metade do que é pago para a contratação de um atacante de clube de ponta de futebol.

Mas, para se ter noção da extensão da desigualdade no país, R$ 30 milhões é quase um terço do montante doado pela herdeira dessa instituição financeira quando do incêndio na catedral de Notre Dame, no ano passado, na França, quando foi entregue a bagatela de R$ 88 milhões, segundo informações amplamente divulgadas na mídia.

Claro, não se está a falar que restaurações de lugares históricos não sejam importantes, muito pelo contrário. Também não se nega que outros projetos sociais contam com o apoio da instituição financeira. O que se questiona é a discrepância —por que são necessárias três pandemias da escala que está passando o país atualmente para que seja desembolsado o que foi com o incêndio de uma catedral na região mais rica de Paris, um lugar que está longe de estar necessitado como todo o Brasil? Haja amor pela cidade-luz.

Segundo a coluna de Marcos Emílio Gomes, no site da revista Veja, o banco Itaú destinará R$ 150 milhões para a compra de equipamentos médicos, cestas de alimentação e kits de higiene para comunidades vulneráveis, já que participa de um fundo com empresas. O valor aumenta se somados também os da Fundação Itaú, cujo investimento retorna em incentivos fiscais e da doação em conjunto com os outros grandes bancos. Seria um alto valor, não fosse o fato que R$ 150 milhões equivale a 0,56% do que o banco lucrou no ano passado.

Ora, quem lucrou bilhões nos últimos anos deveria pagar bilhões. Mas o comentário econômico vai olhar para essa realidade naturalizada do sistema financeiro brasileiro e vai tentar ensinar “economia doméstica” em tempos de crise, tal qual fazem todos os dias quando não estamos oficialmente em uma pandemia, mas a população segue sem um centavo no bolso. Com R$ 600 para uns e R$ 1.200 para mães responsáveis pelo lar, fica muito difícil falar em economia, não é mesmo?

Sobretudo com a escalada precarizante dos últimos anos, todos os dias ouvimos o que “o mercado” quer, como “o mercado reagiu”, mas não vemos como a reforma trabalhista impactou a vida da população mais pobre, como os resultados prometidos por esses comentários nunca se concretizaram e nem se concretizarão.

Não ouvimos porque a reforma da Previdência que atinge os idosos mais vulneráveis do país segue sendo inquestionável? Se a pobreza e epidemia de fome e miséria fossem cobertas com a mesma intensidade que a pandemia do coronavírus, quem sabe a realidade não seria pouco menos bruta.

Por que os desmontes para políticas públicas na área dos direitos humanos, das políticas para mulheres, seguem sendo naturalizados como uma decisão meramente de governo e não como um mecanismo da necropolítica, isto é a política do matar e do deixar morrer?

Por que os juros mais caros do mundo seguem sendo praticados e bancos seguem sendo inquestionados quanto à responsabilidade financeira na presente crise? São questões retóricas, claro, mas que deflagram uma estrutura feita para a concentração de poder.

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