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Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Posso ser intelectual e gostar de beleza, como disse Chimamanda no Roda Viva

Escritora faz refletir que, se nos pensamos decoloniais, precisamos transcender essa visão de oposição

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No dia 14 de junho, a premiada escritora Chimamanda Adichie participou do programa de entrevistas Roda Viva, na TV Cultura, comandado pela jornalista Vera Magalhães, que tem feito um excelente trabalho em escolher entrevistados diversos e interessantes.

Tive a oportunidade de compor a bancada de entrevistadoras ao lado de Carla Akotirene, pesquisadora e escritora, Adriana Ferreira, editora-chefe da revista Marie Claire, Carol Pires, jornalista, e Marcella Franco, editora da Folhinha. Penso que essa entrevista foi um marco na TV brasileira e deveria ser vista nas escolas.

Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana, em entrevista ao Roda Viva - Reprodução

De forma leve, porém contundente, Adichie discorre sobre feminismo, literatura, política, colorismo. Foram muitas questões importantes levantadas, mas aqui quero me ater a uma que ainda reverbera em mim: a afirmação de ser múltipla.

Quando questionada sobre gostar de moda e beleza, sua primeira resposta foi direta: “Sou quem eu sou”. A escritora comentou como na Nigéria a mulher gostar de estar arrumada não é visto como algo que a torne fútil, como é em outras culturas. Fala com tranquilidade sobre ser si mesma sem pedir desculpas.

Sua fala me lembrou o que o babalorixá e pesquisador Sidnei Nogueira diz sobre as epistemologias da encruzilhada, sobre o “e” em vez do “ou”.

A lógica colonial é essa da oposição, que transformou pessoas negras e indígenas no outro, aqueles que não são brancos, logo destituídos de humanidade, como nos ensinam autoras como Grada Kilomba.

Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro, publicada na Folha, em 17 de junho de 2021 - Aline Souza

Portanto, seguindo o que diz Sidnei Nogueira, sobretudo se nos pensamos decoloniais, precisamos transcender essa visão de oposição. A encruzilhada, Exu, pensa a partir da intersecção: podemos ser uma coisa e outra. Posso ser intelectual e gostar de beleza e ser feminista e escritora, voltando ao que disse Adichie.

Isso também significa contrapor uma visão universal do que se entende por feminino —o feminismo hegemônico pensou esse lugar como sendo somente de submissão. É claro que as opressões estruturais põem as mulheres no lugar de inferioridade social, conferindo menos oportunidades, sobretudo se elas são negras ou indígenas. Porém, se penso a partir das representações das orixás femininas, posso ir além.

Há uma história sobre Oxum que diz: antes de cuidar de seus filhos, ela lava suas joias —história que nos ensina a olhar para si, cuidar de si mesmo, exercendo a maternidade.

Já se pensamos a partir de Iansã, aquela que vai para o mercado, ganhar o sustento, mas deixa dois chifres de búfalos para os filhos para que eles os batam se assim precisarem que ela venha com a velocidade do vento, temos uma outra perspectiva. Ou ainda quando pensamos em Nanã e no
seu direito de não maternar.

A mãe que trabalha fora também pode ser uma mãe protetora. Temos aqui dois exemplos de maternidades distintas, a exposição de que não precisamos ser umas como as outras, de que o lugar do feminino também pode ser um lugar de poder. Com isso, não precisamos escolher entre ser uma coisa ou outra, ter de abdicar de partes que nos compõem para sermos aquilo que impõem.

Se há várias maneiras de ser, e entendemos isso, não precisamos competir para ver qual modo é melhor, simplesmente nos identificamos com um. Ou simplesmente entendemos que não desejamos ser mães, e tudo bem. Sobretudo quando a questão é maternidade, lugar carregado de culpas e sofrimentos, pensar a partir dessas lógicas pode trazer realidades mais potentes. É se contrapor ao que foi posto como ideal e aceitar o real, quem se é.

Quando se é feminista, retomando Adichie, também pode haver suposições de como uma “verdadeira feminista” deve ser, ou seja, mesmo em espaços onde refutamos imposições e estudamos a condição feminina, podemos cair no erro colonial de criar categorias que não respeitam as subjetividades. Uma espécie de “feminista ISO 9.001” ou qualquer outro tipo de ativismo.

Em uma sociedade cada vez mais barulhenta e que tenta nos encaixar em moldes preestabelecidos, é preciso pensar além. Senão, se cai em radicalismo narcisista, que instrumentaliza a vida do outro para ganhar alguma notoriedade, por mais que ínfima, mas que não está comprometido com as múltiplas facetas de ser. Cai-se no “eu sou mais radical do que você”, quando, já nos ensinou Bambara,
que a boca não vence a guerra.

Olhar com generosidade para nós mesmas e entender, como afirmou Adichie, “a liberdade de cometer os próprios erros” faz parte de um processo de humanização. Ao se sentir confortável em ser múltipla e não ter medo ou vergonha de afirmar, de um modo, Adichie ajuda a libertar todas nós.

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