Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.
Animais de estimação e coronavírus
Ainda há muitas dúvidas sobre a biologia do vírus em animais
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Há um número muito grande de coronavírus na natureza. Trata-se de uma família de vírus presente em diversos animais, especialmente répteis, aves e mamíferos.
Antes de ganhar notoriedade com a pandemia de Covid-19, os coronavírus só conseguiram a atenção da mídia durante os surtos provocados pelo Sars-CoV-1, de 2002 a 2003, e pelo Mers, identificado em 2012 no Oriente Médio. Antes disso, eram mais comuns em rodas de conversa e congressos de veterinários.
É desde o século passado, a partir da década de 30, que os coronavírus vêm sendo identificados como causa comum de doença em animais, podendo provocar sintomas respiratórios e/ou gastrointestinais. Alguns desses vírus podem causar bronquite em galinhas, o que pode gerar enorme problema para as granjas.
Outros coronavírus são capazes de causar diarreia em perus ou porcos. Podem também infectar animais de estimação, como gatos, cachorros e furões, causando neles alterações gastrointestinais.
Um desses coronavírus, o vírus da hepatite do camundongo, já foi utilizado como o principal modelo para estudo dessa família de vírus, em laboratório, mesmo antes da pandemia. Muito do que sabíamos sobre essa família de vírus até então devia-se a estudos com esse vírus, mas que não causa doença em humanos.
Logo que o novo coronavírus, o Sars-CoV-2, foi identificado na China, no início de janeiro, a possibilidade de que ele pudesse ser transmitido para animais de estimação foi questionada. Veterinários são frequentemente consultados sobre o assunto e compartilham conosco suas dúvidas, dentre elas de que animais de estimação, especialmente cães e gatos, possam pegar o vírus, desenvolver a doença e transmitir para as pessoas com as quais convivem.
De fato, em vários países, a infecção em cães e gatos foi confirmada em casos esporádicos, mesmo sem que os animais desenvolvessem sintomas da doença.
Ganhou atenção um curioso estudo: um surto de infecção pelo novo coronavírus no Zoológico de Nova York. Lá, em alguns felinos, incluindo leões e tigres, detectou-se material genético do Sars-CoV-2, depois de um dos domadores ter desenvolvido sintomas da Covid-19.
Outro estudo tentou isolar o novo coronavírus em 540 cachorros e 277 gatos entre março e maio deste ano, principalmente na Lombardia, região mais duramente atingida pela pandemia na Itália. O Sars-CoV-2 não foi encontrado em nenhum desses animais, muito embora, surpreendentemente, ao mesmo tempo tenha sido observada a presença de anticorpos contra o novo coronavírus em 3,4% dos cães e em 3,9% dos gatos.
Esses achados mostram que os animais tiveram a infecção em algum momento. As porcentagens de anticorpos observadas foram semelhantes às observadas em pessoas da mesma região, sugerindo que esse também é um evento comum entre esses animais. Achados semelhantes foram descritos na China, onde animais que vivem em casas de pacientes com Covid-19 também produziram anticorpos contra o vírus.
A dúvida persiste: os animais de estimação podem servir como reservatórios do vírus e, ainda, transmitir a doença?
Uma impressão inicial parece diminuir a primeira possibilidade: se fossem reservatórios, certamente os vírus seriam isolados mais facilmente. Ainda assim, não temos certeza quanto à possibilidade dos animais domésticos poderem atuar como transmissores do novo coronavírus. Precisamos de mais pesquisas.
São vários os estudos em andamento durante a pandemia de Covid-19 em diferentes países, acompanhando atenciosamente os animais domésticos com os quais convivemos há milênios.
É importante que a diversidade e a biologia dos coronavírus em animais seja melhor compreendida. Se dispuséssemos desse conhecimento antes da pandemia, muitas medidas poderiam ter sido antecipadas.
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