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Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Interrupção com 530 semanas de vida

A calça da escola está ficando cada dia mais apertada, a pancinha empurrando o umbigo

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A calça da escola está ficando cada dia mais apertada, a pancinha empurrando o umbigo para frente. A menina se pergunta se algum colega já percebeu. Provavelmente não, ou teriam zoado com ela. Eles sempre zoam com tudo. E porque eles fazem isso, ela não pode levantar a mão de novo e pedir para ir ao banheiro.

Desde que aquela coisa começou, ela tem vontade de fazer xixi toda hora. Segura a aula de matemática inteira, até que finalmente toca o sinal do intervalo. A menina corre, senta na privada e esvazia a bexiga: que alívio.

Depois vai para a cantina, mas não consegue ficar lá dentro. O cheiro de coxinha que era tipo a coisa que ela mais amava só depois de brigadeiro, agora deixa ela enjoada. Sai correndo, se encosta lá fora. Respira um, dois, três, não entendeu nada dos múltiplos de três, mas teve uma ideia boa.

Adolescente grávida em São Paulo - Folhapress

Normalmente não jogaria no recreio. Prefere ficar com as meninas, numa casinha de bonecas lá no fundo do pátio, mas nesse dia vai até a quadra e pede para ficar no gol. Por favor, só hoje no gol. Eles aceitam. Ela fica parada no meio da trave. Quando a bola vem, corre para segurar com a barriga. Vai, moleque, chuta bem forte na minha barriga.

Ia ser tão perfeito, porque a culpa não ia ser dela. Ela escutou o papo na sala de casa: se tirar, ela pode ser condenada, tipo uma assassina. A bola não pode ser condenada, tipo uma assassina. Ô, seu juiz, foi a bola que matou aquilo que ia ser meu filho. E meu irmão. Então a bola iria presa, se bola fosse presa. E ela não ia precisar contar para ninguém aquela situação estranha: que um filho também pode ser um irmão. E ela não ia ter que sair da escola, nem deixar os amigos, nem perder nem a festa de aniversário da Flávia que nunca chamaria ela para ganhar a primeira fatia do bolo se ela estivesse buchuda.

Mas ninguém chuta a bola na barriga. E ela ainda toma um, dois, três frangos, que são múltiplos de não sei quantos frangos, tanto que na volta para a sala chamam ela de frangueira, enquanto ela mata a sede no bebedouro chamam ela de frangueira, mas ainda é melhor do que ser chamada de puta, que é como vão chamar ela quando souberam da notícia.

Tanto que na última aula daquele dia faz um plano: vai pôr tudo numa cartolina. Explicar para a classe. Explicar para o seu juiz, que deve ser tipo um juiz de futebol só que mais importante: se eu não fosse com meu pai no quarto quando todo mundo saía de casa, ele me batia. E batia feio. E mentia que foi por outro motivo.

Quando o sinal da saída toca, ela vai até o portão e fica olhando pela grade, esperando a mãe aparecer. Mas quem vem é ele. Ela bebeu tão pouquinha água para não ter vontade de ir ao banheiro e, mesmo assim, quase se mija toda.

Ele estende aquela mão para ela. Ela pega a mochila, ajeita as alças nos ombros. Pensa em dar as costas e sair correndo a milhão, em cruzar o pátio da escola e ficar lá longe, brincando para sempre de esconde-esconde.

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