Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Maconha não é remédio
Discurso da maconha medicinal é ruim para a política e para a medicina
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Há 20 anos que defendo a liberação, para uso recreativo, de todas as drogas, mas devo dizer que me incomoda a estratégia de alguns entusiastas da maconha de tentar legalizá-la apelando a suas propriedades medicinais .
Meu lado kantiano me faz pensar que não basta defender as causas certas —é preciso tentar fazê-lo também pelas razões certas. E maconha não é remédio. Ela é uma droga psicotrópica com mais de 400 princípios ativos, alguns dos quais úteis em contextos médicos. Mas, se o objetivo é terapêutico, deve ser usada com extrema cautela. Até por apresentar uma ampla gama de efeitos colaterais —nem todo mundo que quer combater uma dor crônica quer ficar de barato—, raramente é a droga de primeira linha, sendo reservada para casos em que outros tratamentos falharam.
O bom motivo para a legalização é filosófico: não cabe ao Estado determinar as substâncias que adultos podem ou não colocar dentro de seus próprios corpos. Compete ao poder público apenas fornecer ao cidadão a melhor informação disponível, alertando para os riscos, que não são poucos nem desprezíveis no caso da maconha, e deixar que ele tome sua decisão.
Ao tentar utilizar a medicina como um atalho para a descriminalização, os militantes não só escondem as razões legítimas para a legalização, afastando-nos do bom debate, como conspurcam a prática médica. Se fizéssemos por aqui algo parecido com o que fizeram vários estados americanos, logo criaríamos uma indústria de consultas médicas meio fake, com o propósito único de encontrar uma "moléstia" que conferisse a seu portador o direito de consumir a droga.
Trocando em miúdos, o discurso da maconha medicinal é ruim para a política e para a medicina. Deveríamos apenas admitir de uma vez por todas que as pessoas têm o direito de buscar estados de consciência alterados, se desejarem. Humanos fazem isso desde sempre.
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