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Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

Descrição de chapéu China

A quem interessa debater a origem da Covid com dados de pouca credibilidade?

Relatório que indica vazamento de laboratório é divulgado na semana em que comitê analisa competição entre EUA e China

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O ano é 2023, mas bem poderia ser 2020. Repercutiu nas manchetes de todos os grandes veículos dos EUA a mudança de entendimento do Departamento de Energia americano sobre as origens da Covid-19.

O órgão, que até então estava em cima do muro, agora afirma acreditar que o patógeno escapou de um laboratório em Wuhan, embora tenha alertado quanto ao "baixo grau de certeza" da conclusão.

Segurança do lado de fora de mercado de frutos do mar de Wuhan, onde o coronavírus foi detectado - Hector Retamal - 24.jan.2020/AFP

O assunto não é novo, e o leitor se lembra das inúmeras teorias e divergências que circularam no início da pandemia. O relatório de agora tampouco é unânime —instadas por Joe Biden em 2021 a investigar o tema, as agências de inteligência americanas chegaram, em sua maioria, a resultados inconclusivos.

Além do Departamento de Energia, apenas o FBI diz ter evidências de um possível vazamento. Quatro outras agências e o próprio Conselho Nacional de Inteligência americano defendem a teoria de "transmissão zoonótica", ou seja, por meio da exposição natural a um animal infectado.

Quem levanta a hipótese de vazamento costuma mencionar o Instituto de Virologia de Wuhan, instalação com alto nível de biossegurança e que no passado realizou pesquisas com coronavírus. Nessa versão, um acidente teria causado o escape de amostras do Sars-CoV-2 e provocado as primeiras vítimas no mercado de frutos do mar de Huanan, cuja localização é próxima do instituto.

O rancor público devido à forma como autoridades locais chinesas trabalharam para esconder os relatos iniciais de um vírus misterioso é natural. Também é legítimo que essas mesmas pessoas pressionem seus governos a encontrar culpados pelas mortes de amigos, cônjuges e familiares. Três anos depois, no entanto, é bem possível dizer que nunca teremos respostas concretas sobre como surgiu a Covid.

Pouco afeito à transparência e acusado de recorrer às mesmas táticas que utilizou para esconder a crise do Sars em 2003, o regime chinês já não se mostrava muito favorável à ideia de uma investigação ampla e independente. A politização do tema então tornou essa apuração ainda mais complicada.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a enviar uma missão ao país para coletar amostras, entrevistar envolvidos na crise e dar algum sentido científico à investigação da origem da pandemia. A entrada dos enviados, porém, só foi autorizada muitos meses depois dos primeiros casos, quando pistas relevantes talvez já tivessem sido apagadas. Quando declarou que pretendia revisitar o caso, a OMS passou a ser ignorada, e mesmo o famigerado Instituto de Virologia decidiu deixar de cooperar.

Ideologias à parte, o vácuo deixado nas páginas dessa tragédia é lamentável. Entender como essa crise sanitária começou nos deixaria melhor preparados para enfrentar a próxima. Pequim, caso tenha as respostas, decidiu que os riscos estratégicos de revelá-las são maiores para os chineses que uma atualização nos parâmetros mundiais que nos permitam evitar uma outra pandemia no futuro.

Os americanos entendem bem isso e certamente não têm grandes esperanças de conseguir qualquer evidência nova ao denunciar suposta irresponsabilidade nos casos de Wuhan. O objetivo então parece ser outro: o entendimento de uma agência de inteligência não muda nada no cenário científico, mas ajuda a fomentar audiências sem fim no Congresso dos EUA destinadas mais a consolidar a imagem da China como potência irresponsável do que a prover respostas práticas à inquietação da sociedade.

Será coincidência que os republicanos, agora maioria na Câmara, tenham escolhido justamente esta semana para iniciar os trabalhos do comitê que pretende analisar o estado da "competição estratégica entre os EUA e o Partido Comunista"? A quem interessa trazer essa questão outra vez para o debate, espalhando informações de pouca credibilidade na imprensa mundial? Perguntas cujas respostas talvez sejam mais simples de entender que a tal origem da pandemia.

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