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Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

Descrição de chapéu China

Megalópole de Xi não será tarefa tão fácil quanto mídia estatal faz parecer

Projeto de Xiong'An ainda tem de enfrentar escassez de água potável e parca oferta de infraestrutura essencial

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Em 1978, o líder chinês Deng Xiaoping decidiu que faria de Shenzhen, a pacata vila de pescadores nos confins de Guangzhou, uma cidade-modelo para seu socialismo de mercado. As chances de um fracasso, no entanto, eram enormes. Faltavam infraestrutura, capital e talento humano, e quem passava por ali estava mais interessado em cruzar ilegalmente o rio das Pérolas rumo à suntuosa Hong Kong.

O governo sabia dos riscos. Escolheu a região pela distância do então único centro financeiro relevante, Xangai, e do coração político, Pequim. Se fracassasse, Shenzhen não arrastaria para o abismo o pouco que restava da economia pós-Revolução Cultural nem haveria no país mais crises de governabilidade.

A área de Zangang, em Xiong'an, metrópole construída na gestão de Xi Jinping na província de Hebei, na China - Xing Guangli - 3.jun.23/Xinhua

Deu certo. Shenzhen virou uma metrópole, polo da indústria chinesa de alta tecnologia. Mais: tornou-se parte do legado de Deng, símbolo das reformas que fizeram da China a segunda maior economia mundial.

Xi Jinping por muito tempo procurou um projeto de impacto para chamar de seu. Uma das figuras mais poderosas desde a fundação da república comunista, ele recebeu do antecessor, Hu Jintao, um país que reconquistava o status de potência, crescendo em níveis anuais inéditos. Sob sua gestão, porém, o ritmo das reformas esfriou, o mundo ficou mais hostil, e a economia passou a dar sinais de desaquecimento.

É nesse contexto que surge a ideia megalomaníaca de Xiong’an, nova cidade em construção a poucos quilômetros de Pequim e sobre a qual o correspondente da Folha em Taipé, Nelson de Sá, escreveu. Como descreve o colega, Xiong’an pretende desafogar a capital atual e se tornar um novo paradigma de sustentabilidade e viabilidade econômica. Seria o presente de Xi para a história chinesa.

A despeito das comparações com Brasília, a semelhança entre a nova megalópole e o projeto de Juscelino Kubitschek talvez se limite ao fato de ambas serem projetadas do zero. Na prática, contudo, Xiong’an está mais para os condomínios higienistas espalhados pelo Ocidente do que para a capital brasileira.

Se no longo prazo trata-se de uma distopia movida a energia limpa, no curto seu efeito foi especulação imobiliária e gentrificação. Ao ser anunciado, em 2017, o projeto levou a uma corrida por um pedaço do novo eldorado chinês, provocando uma disparada dos preços dos imóveis e afastando quem morava ali.

Aldeões nunca consultados sobre a iniciativa deixaram suas casas sob a expectativa de reassentamento e indenização. Com a pandemia, a promessa só começou a ser cumprida três anos depois. Quem conseguiu voltar encontrou uma cidade ainda muito aquém das maquetes apresentadas por incorporadoras imobiliárias. Forçado a assumir uma significativa fatia dos investimentos e financeiramente exaurido pelas medidas de controle da Covid, o governo provincial de Hebei mostrou-se incapaz de cumprir prazos e de transformar Xiong’an em uma metrópole funcional.

Há, claro, uma estação de trens de alta velocidade e dezenas de prédios que, no conjunto, rendem boas fotos para as páginas do Diário do Povo. Mas a aridez do norte, a escassez de água potável e a parca oferta de infraestrutura essencial como escolas e hospitais indicam que a tarefa não será simples.

A realidade se mostra bem aquém do que faz parecer a mídia estatal chinesa se somado o desaparecimento de empregos após fábricas da região terem sido fechadas em favor do meio ambiente.

É cedo para falar em fracasso, mas a insistência de Xi em destacar as maravilhas do projeto indicam que o governo está no mínimo apreensivo. Sua recente visita de inspeção à cidade quer lembrar aos chineses que, para além das obras atrasadas e dos desafios estruturais para colocar de pé um plano tão ambicioso, um futuro brilhante os aguarda. A questão é saber quando esse futuro chegará —e quanto custará.

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