Em 2001, no primeiro dia de abril daquele ano, o aviador naval Shane Osborn decolou da base aérea de Kadena, no Japão, em um EP-3E com 23 tripulantes. No momento em que sobrevoava uma região do mar do Sul da China a cerca de 100 km da ilha de Hainan, a aeronave foi interceptada por três caças J-8 chineses e colidiu com um deles, matando o piloto chinês Wang Wei.
Todos os americanos se salvaram, mas foram imediatamente detidos e interrogados por autoridades chinesas, gerando uma guerra de acusações entre Washington e Pequim que durou meses.
O coordenador de comunicações estratégicas do Conselho Nacional de Segurança dos EUA, John Kirby, e o chefe do Pentágono, Lloyd Austin, lembraram o incidente nesta semana ao comentarem duas manobras das forças chinesas contra uma embarcação e uma aeronave americanas que patrulhavam a região.
Ambos os oficiais recordaram o quão difícil foi lidar com a questão à época e usaram o incidente para ilustrar o risco da falta de diálogo entre forças militares dos dois países atualmente.
Desde a visita a Taiwan pela então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a China fechou os canais de comunicação militar que tinha com os americanos. Em situações normais, é por meio deles que as forças se comunicam, diminuindo as chances de possíveis erros de cálculo que levem a conflitos de grandes proporções. Pequim reivindica soberania sobre o mar do Sul da China, enquanto os EUA patrulham a região dizendo proteger a liberdade de navegação sobre águas que considera internacionais.
Com o acirramento das tensões, a situação agora é mais delicada. O intenso trânsito militar americano na região, sobretudo no entorno do estreito de Taiwan, é visto pelos chineses como provocação. Não ajuda o fato de Washington ter imposto sanções ao ministro da Defesa chinês, Li Shangfu, devido ao seu suposto envolvimento na compra de aeronaves e sistemas de mísseis russos em 2017 e 2018.
Pequim recusou um convite para que Austin e Li se encontrassem à margem do Diálogos de Shangri-la, maior conferência de segurança da Ásia, no último final de semana, em Singapura. Ambos deram apenas um aperto de mãos e foram vistos sorrindo um para o outro no jantar de abertura do evento. Parou por aí.
Reabrir os canais de comunicação é a prioridade de Biden. Além de reduzir riscos às tropas americanas na região, seria um passo para voltar a negociar a entrada da China em acordos que limitam a fabricação e o uso de armas nucleares, além de servir como canal para enviar recados aos russos por meio de Pequim.
A tarefa, porém, será testada por dificuldades domésticas nos dois lados. Em Washington, o Congresso parece ter firmado entendimento bipartidário de que a China é uma ameaça e tem reagido veementemente contra quaisquer tentativas de aproximação. Não é raro ver republicanos e democratas se juntando para acusar os chineses das mais variadas práticas que consideram desonestas e ameaçadoras, enquanto criticam o próprio Biden por ser muito brando na relação com o gigante asiático. Já na China, cresce a onda nacionalista que pede distanciamento dos americanos e demonstrações de força.
No passado, Pequim e Washington souberam trabalhar nos bastidores, evitando armadilhas enquanto trocavam acusações públicas. É famosa a anedótica história em que o então líder chinês Mao Tse-tung pediu paciência ao à época secretário de Estado Henry Kissinger no diálogo para normalizar as relações, alertando que a China seguiria usando a mídia para acusar os americanos de serem imperialistas.
Há pouco espaço para algo do tipo agora, mas é preciso lembrar que um eventual êxito em replicar uma experiência semelhante terá desdobramentos na segurança do mundo todo, não apenas na regional.
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