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Economista, mestre em filosofia pela USP.

Descrição de chapéu machismo

O BBB é nosso espelho, e não gostamos do que vemos

Neuroses e modismos aqui de fora aparecem potencializados na casa

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Acompanhar o BBB21 (não pense o leitor que o faço por prazer, nada disso; é pura obrigação profissional) é tomar uma dose diária de suco concentrado de Brasil. Nossas neuroses e modismos aqui de fora aparecem dentro da casa numa versão potencializada. E o gosto não está dos melhores...

Um aspecto salta aos olhos: a militância identitária das redes sociais comparece em peso. Racismo, machismo e homofobia são temas constantes de acusações, sermões e pedidos de perdão.

O cantor Fiuk, um dos participantes, chora sempre que fala de sua identidade branca, masculina e heterossexual. Pede desculpas. Serão lágrimas sinceras ou oportunistas?

Sabemos que ele fez um curso intensivo de feminismo antes de entrar na casa. Talvez não exista mais diferença. Karol Conká, rapper engajada e progressista, pessoalmente é arrogante, cruel e até preconceituosa. Lumena, que está sempre pronta a passar um sermão moralista, é profundamente antipática, incapaz de dar um "bom dia" sem lição de moral.

Uma mulher branca rejeitou a cantada de um homem negro? Racismo. Um homem falou ao mesmo tempo que uma mulher? Machismo. Uma brincadeira de homens se maquiando e se vestindo de mulher —que uma década atrás seria lida como um momento lúdico em que homens brincam com seu lado feminino —gerou longa discussão e terminou em choro. O clima é pesado. E não consta que os preconceitos estejam menores por causa disso.

Num dado momento, o participante Lucas —que pode estar tendo problemas psiquiátricos durante a estadia— propôs que os negros se unissem e eliminassem os brancos do jogo. Uma reação mal direcionada e muito conveniente (afinal, o beneficiaria diretamente) para um problema profundo, como se o racismo fosse o resultado de brancos malvados explorando e maltratando negros, e não padrões sociais e heranças históricas que perpassam toda a sociedade. A revanche dos negros contra os brancos como solução final dos séculos de opressão.

Mas o Brasil ainda resiste aos ataques identitários. No momento mais inspirador até agora, o rapper Projota, também negro, confrontou Lucas: jamais toparia aquela estratégia de ódio; afinal, sua mãe é branca, sua mulher também.

Ele, assim como a maior parte dos brasileiros, é fruto de encontros multirraciais. O racismo brasileiro é real, mas a solução definitivamente não passa por um novo apartheid.

O identitarismo, isto é, a divisão da sociedade em grupos estanques de vítimas universais e algozes permanentes, gera esse tipo de aberração.

Não existem indivíduos nem contexto; existem apenas categorias abstratas em relações pré-definidas. Não importa se você é bom ou mau, leal ou traiçoeiro, justo ou injusto, se trata bem os outros ou é desrespeitoso; tampouco importa quem está com a razão em um conflito específico. Importa apenas seu lugar numa escala fixa de privilegiados (logo, maus) e oprimidos (logo, bons).

O BBB dá ao Brasil um espelho que realça alguns de seus traços mais salientes. E o Brasil parece não estar gostando do que vê.

A militância identitária, tão bem-sucedida no meio descarnado das redes sociais, não funciona na vida de carne e osso: saltam aos olhos a hipocrisia e a antipatia.

Defender as causas corretas não deveria nos transformar em pessoas piores. No fim, todo mundo é humano, e as características genéricas não definem o caráter de ninguém.

Gargalhar dos extremos ridículos a que o identitarismo chegou no BBB quem sabe nos reumanize aqui do lado de fora.

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