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Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Quanto custa o jornalismo?

Muito e vai ficar mais caro em 2022, quando a coisa promete ser violenta

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Relatório do Repórteres sem Fronteiras, divulgado na quinta-feira (16), mostra que 488 jornalistas em todo o mundo estão presos neste momento, recorde na contagem iniciada em 1995. Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas, são 293 os profissionais encarcerados. A disparidade entre os números se explica pelos critérios utilizados em cada caso, mas a cifra menor também é a maior na história da entidade, que monitora o assunto há mais de quatro décadas.

O comitê contabiliza 24 jornalistas mortos neste ano no exercício da profissão, contra 46 registrados pelo RSF. Destes, 7 foram assassinados no México, um dos países mais perigosos para quem abraçou o ofício de informar, de acordo com os dados. A coordenadora do CPJ para América Latina e Caribe, Natalie Southwick, disse à Folha que a região preocupa por registrar reiteradamente mais mortes que prisões de profissionais de imprensa.

Em entrevista a este jornal, publicada na terça-feira (14), o cientista político Fernando Abrucio analisou as opções de Jair Bolsonaro até as eleições de outubro. Quem não leu o texto ou não chegou até o seu fim talvez tenha perdido este trecho importante: "O nível do debate em 2022 será assustador e violento. Vai ser uma campanha suja, no estilo das eleições mexicanas na época do PRI, com atentados, assassinatos de candidatos e clima de terror".

Em 2018, segundo relato publicado à época pela Folha, 46 pré-candidatos e candidatos foram mortos no México. Nos 12 meses anteriores ao pleito, 122 prefeitos, vereadores e ex-prefeitos também acabaram assassinados. Em outra contabilidade da violência, apurada pela BBC Brasil, 351 servidores de cargos não eletivos foram mortos, 307 deles de forças de segurança.

Estamos longe disso? Pode ser, mas talvez seja o caso de perguntar a alguém que trabalhe na Anvisa como é se sentir com a cabeça a prêmio, ofertada pelo presidente da República, no coliseu das redes sociais bolsonaristas.

Jornalistas já sabemos a resposta. Estamos há três anos na mira, literalmente. O ano eleitoral que se avizinha será o mais difícil em gerações e levará o exercício profissional a extremos. Abrucio prevê um Bolsonaro em grande desvantagem partindo para o tudo ou nada em um segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva. "Bolsonaro fará uma cruzada pela vitória", vaticinou. Vou além e pergunto o que será deste país na hipótese de o presidente, desidratado nas pesquisas, se perceber fora do segundo turno logo nos primeiros meses de 2022.

Bolsonaro desdenha as pesquisas, enquanto o mercado prefere estudá-las. Bolsa e dólar azedaram após o Datafolha. Não pela perspectiva de Lula ganhar no primeiro turno, mas pela de Bolsonaro entrar em pânico, sair torrando dinheiro e deteriorar ainda mais o cenário fiscal.

Agentes financeiros há muito reconhecem o valor dos levantamentos de intenção de voto e bancam boa parte dos cerca de 20 institutos que pipocaram em anos recentes. Alguns desses agentes, inclusive, detêm sites de informação financeira. Verticalização, aparentemente, é um bom negócio. Jornalismo nem sempre.

Parece superado o tempo das pesquisas clones, em voga em eleições passadas, quando grupos bancavam levantamentos que emulavam os dos institutos tradicionais, obrigados por lei a registrar no TSE características como período de apuração e questionário. O objetivo era antecipar para si ou para clientes algo próximo ao resultado que viria a ser publicado pela imprensa.

A estratégia pode ser outra agora, mas esse agitado mercado de pesquisas ainda convive com o falso dilema de obter e divulgar informação de interesse público depois de atender a interesses privados. Isso explica a razão de o Datafolha não fazer pesquisa de opinião pública para instituições financeiras e ofertá-la apenas a veículos de comunicação.

Isenção não é capricho. Custa caro, mas faz uma grande diferença. Como fez, na última semana, quando os números do instituto e os do Ipec (fundado por antigos profissionais do Ibope) puseram um tanto de água na fervura que se criou em torno da pré-candidatura de Sergio Moro, até então levada em fogo alto por setores da mídia e do mercado. Como fará diferença no ano que vem, quando desinformação e toda sorte de dados manipulados vão brotar na tela dos celulares com a naturalidade de figurinhas de WhatsApp.

Vai custar caro também, e aí não apenas para a Folha, proteger os jornalistas do óbvio risco de violência no trabalho de campo, assim como nas esferas digitais. A bagunça que é o governo Bolsonaro embaça a percepção dos fatos, mas foi muito grave o recente ataque hacker sofrido pelo Ministério da Saúde. Algum jornal do país estaria preparado para tamanha paulada?

Jornalismo isento e de qualidade custa caro. Cobertura de eleições custa muito caro. Em 2022, mais ainda. A saúde financeira da imprensa será fundamental.

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