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Número de jornalistas presos bate recorde em meio à pandemia, diz relatório

Regimes autoritários aproveitam preocupação global com Covid para aumentar repressão à imprensa, segundo CPJ

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O número de jornalistas encarcerados ao redor do mundo por razões ligadas à atividade profissional bateu recorde em 2021: pelo menos 293 estão presos. O aumento da cifra, que no ano passado era de 280, está relacionado a regimes autoritários que, da América Latina à Ásia, ganharam fôlego nos últimos anos.

O levantamento e a análise são do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ, na sigla em inglês), organização global que monitora o assunto há mais de quatro décadas. Relatório lançado nesta quinta-feira (9) mostra ainda que 24 jornalistas foram assassinados neste ano devido à profissão.

Jornalista em um evento do regime chinês, líder global em números absolutos de jornalistas encarcerados por seu trabalho - Peter Parks - 19.set.21/AFP

Na raiz do problema, avalia o comitê, está uma tendência crescente de intolerância à mídia. E há regimes que se aproveitam de preocupações sociais latentes, como a pandemia, para acirrar a repressão.

"Em um mundo preocupado com a Covid e tentando priorizar questões como a emergência climática, governos repressivos sabem que a indignação pública com as violações de direitos humanos irá esfriar, enquanto governos democráticos têm menos apetite para retaliar política e economicamente [os Estados que perseguem jornalistas]", afirma o comitê em um trecho do relatório.

O líder em números absolutos de jornalistas atrás das grades por exercerem seu trabalho é o regime liderado por Xi Jinping. Com 50 profissionais presos, a China é seguida por Mianmar (26), Egito (25), Vietnã (23), Belarus (19) e Turquia (18). A Eritreia lidera a região da África Subsaariana, com 16 detidos. Já na América, o primeiro lugar fica com Cuba, com três jornalistas encarcerados.

A cifra chinesa foi engrossada neste ano por oito jornalistas presos em Hong Kong, que pela primeira vez figurou no relatório anual do CPJ, publicado desde o início da década de 1990. A estreia se deve ao avanço da censura na região. Um dos detidos é o magnata da mídia Jimmy Lai, fundador do Apple Daily, um dos mais importantes jornais pró-democracia do território, que deixou de circular em junho.

Chama atenção também a repressão contra os jornalistas da etnia uigur, da província Xinjiang, historicamente perseguida pelo regime comunista do país asiático. Levantamento recente da organização Repórteres Sem Fronteiras foi além e mensurou que mais de 70 profissionais uigures estão detidos.

Outro estreante da lista é Mianmar. Pelo menos 26 jornalistas foram detidos desde que o Exército do país prendeu a cúpula do governo civil e deu um golpe de Estado em fevereiro, fazendo com que a nação asiática já assumisse o segundo lugar na lista de países que mais encarceram profissionais da imprensa.

A situação etíope também é descrita como preocupante na África. A guerra civil na região do Tigré entre o governo do premiê Abiy Ahmed —figura outrora celebrada por ter ganhado o Nobel da Paz— e a Frente de Libertação do Povo do Tigré tem resvalado na imprensa: nove jornalistas foram presos, seis dos quais só em novembro. Há duas semanas, quando o governo local proibiu a divulgação de informações sobre a guerra que não sejam fornecidas por militares, o alarme de mais restrições à imprensa soou.

Com seis jornalistas presos —três em Cuba, dois na Nicarágua e um no Brasil—, a América Latina parece ocupar um lugar secundário no cenário global, mas o CPJ logo alerta que a visão é equivocada: "Encontramos um preocupante declínio da liberdade de imprensa na região".

À Folha a coordenadora do CPJ para América Latina e Caribe, Natalie Southwick, explica que o cenário na região preocupa por, recorrentemente, registrar mais jornalistas assassinados do que presos. O México, por exemplo, que nem sequer figura na lista de países com jornalistas detidos, foi palco de três assassinatos de profissionais da imprensa neste ano. Em 2020, seis foram mortos no país.

"Ainda estamos vendo ameaças consistentes de violência mortal contra jornalistas em toda a região, isso não deixou de existir", resume Southwick, que menciona o Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) como ponto sensível de preocupação do CPJ. "Agora estamos vendo diferentes táticas, como assédio judicial e online [contra jornalistas], bem como violência de gênero contra repórteres."

O único caso brasileiro no relatório é o do jornalista esportivo Paulo Cezar de Andrade Prado, sentenciado a mais de cinco meses de prisão em regime semiaberto por difamação contra o empresário Paulo Sérgio Menezes Garcia, ex-vice-presidente do Corinthians.

Organizações brasileiras ligadas à defesa das liberdades de imprensa e de expressão são críticas à prisão do jornalista. O presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Marcelo Träsel, diz que a organização se soma a organismos internacionais, como a OEA (Organização dos Estados Americanos), que criticam o fato de crimes contra a honra serem tratados pela esfera penal, não na civil.

"O tratamento penal para o crime contra a honra pode criar instrumentos que permitem a grupos de interesse ou pessoas poderosas abusarem do Judiciário para perseguir jornalistas", explica.

Sobre a situação brasileira, afirma que este é o pior período para a liberdade de imprensa desde a redemocratização do país, situação agravada pelo uso da Lei de Segurança Nacional para investigar jornalistas, o assédio judicial e os discursos de autoridades públicas contrárias à imprensa livre.

"A prática do jornalismo no Brasil está muito mais difícil e perigosa."

Ainda de acordo com os dados do relatório, dos 293 jornalistas presos, 253 são homens, e 40, mulheres. A maioria —196— está ligada a alguma organização ou veículo de imprensa, enquanto 97 são profissionais freelancer. Do total, seis jornalistas não eram cidadãos dos países em que foram detidos.

Em relação aos 24 jornalistas assassinados, o documento detalha que 19 foram mortos em retaliação ao trabalho que desenvolviam, três morreram trabalhando em zonas de conflito e dois foram mortos enquanto cobriam protestos sociais nas ruas.

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