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Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Fórmulas prontas do jornalismo

Militares se irritam, montadoras investem e tudo continua como antes

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Conrado Hübner Mendes, com certa frequência, cutuca jornalistas. A categoria tem um papel coadjuvante em seus artigos, mas apanha de quando em quando como os luminares do Judiciário, os protagonistas em geral. Proximidade pouco republicana com o poder, condescendência, falta de isenção e espírito crítico, vaidade. As acusações são pesadas, mas nada que jornalistas não estejamos acostumados. A acidez dos comentários, por outro lado, reflete, na parte cheia do copo, a constatação da necessidade de um jornalismo profissional independente. Sem ele, o atual estado de coisas prevalece ou tem chance menor de ser alterado. Poderia, deveria ser diferente.

Na última semana, Conrado mirou uma cobertura específica, a dos militares do país, exemplo de "servilismo jornalístico", de acordo com a análise calcada em uma curiosa observação empírica: a enorme quantidade de títulos da imprensa nacional que dão conta de algum tipo de irritação das Forças e dos generais. A lembrar do tamanho da vara, em uma reverência anacrônica, não o da onça.

Os enunciados listados na coluna aparecem em uma busca simples na internet, "militares + se irritam." Há de tudo e de todos, da semana e de há muitos anos. Conrado tece suas teorias, a discussão aqui não entrará no mérito, mas toma a liberdade de acrescentar mais uma: e se o aparente servilismo for efeito colateral de algo mais banal, uma inconfessável indigência jornalística, fórmula pronta, como tantas que habitam as Redações desde tempos imemoriais.

A coisa fica ainda pior quando se percebe dois movimentos de repetição sobrepostos. O que se especula, por servilismo ou indigência, e o que é imposto pelo mecanismo de busca do Google: da esquerda à direita, da Folha à Gazeta do Povo, do Brasil 247 a O Antagonista, os títulos sobre um mesmo assunto se repetem, como se todos estivessem escrevendo a mesma coisa. Quando não estão efetivamente escrevendo a mesma coisa.

Também na quinta-feira (8) da coluna, Folha, O Globo e O Estado de S.Paulo deram manchetes de seus impressos para os bilhões de investimentos anunciados por montadoras. Algumas cifras eram divergentes, o destaque para eletrificação ou carros híbridos variava aqui e ali, mas a notícia era a mesma. Na internet, os títulos eram os mesmos, não apenas no dia ou na semana. Assim como militares sempre se irritam, montadoras sempre investem. A busca simples "montadoras + investem" revela outra fórmula pronta das Redações, com enunciados idênticos, ainda que separados por anos.

Não que não fosse notícia os pacotes de duas das maiores marcas do país no espaço de dias. Mas é o negócio de sempre, que a imprensa repete sem constrangimento ou ponderação. E sempre há uma a fazer.

Antes das manchetes, uma análise na Folha mostrava que o investimento das empresas não era exatamente questão de opção. Quem quiser permanecer no mercado, nos próximos anos, terá que cumprir novas e custosas regras de emissão de poluentes. Outro artigo mostrava que o montante estava longe de ser recorde. Sem falar dos subsídios, que tornam complexa a apreciação sobre o real retorno dos investimentos.

É importante notar que a fórmula pronta, apesar do caráter pretensamente prosaico, pende sempre para o lado que interessa ao agente da informação. Conrado faz aguda observação sobre a posição da imprensa em relação aos militares. Impressiona como a indústria automobilística navega com tranquilidade pela mídia e pelos governos.

O jornalismo precisa de alguma sofisticação. Fórmulas salvam o dia, não muito mais.

Come-cotas

Campeão de reclamações da semana, o editorial "Cotas sociais, não raciais" é um daqueles momentos em que a Folha gera mais dúvida do que certeza em parte de seus leitores.

O jornal que faz campanha para angariar assinantes mulheres com a oferta de um livro de bell hooks, celebra a liberação do aborto na Constituição francesa, inicia a publicação de uma oportuna série sobre direitos reprodutivos, inovou com um programa de trainees para profissionais negros e adota cotas para seu próximo treinamento, voltado à economia, não conversa com o jornal que se opõe à ação afirmativa para pretos, pardos e indígenas nas universidades.

Na esteira da polêmica sobre os estudantes que tiveram matrícula recusada na USP, a Folha expôs seus argumentos contra as cotas raciais, assim como fizeram alguns colunistas. Apesar dos comentários e da gritaria nas redes sociais, o jornal não se preocupou em dar espaço ao contraditório e às críticas. Apenas no sábado (9) o Painel do Leitor contemplou o assunto, talvez pelo fato de o ombudsman ter notado a lacuna em crítica interna.

Essa Folha que não se abre ao debate, como outrora, também é estranha aos leitores.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto dava link para artigo de Wilson Gomes em trecho sobre colunistas do jornal que se posicionaram contra as cotas raciais. O professor não fez isso, o link foi um erro de edição.

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