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Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

Jesus gay e as aulas de religião nas escolas

Professores tendem a fugir das aulas dessa matéria como o diabo da cruz

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Para termos noção do tamanho do nó que é hoje o ensino religioso nas escolas do país, joguemos na equação a reação violenta ao especial de Natal do Porta dos Fundos, a aliança de Bolsonaro com os evangélicos, o avanço do Escola Sem Partido e até o escândalo do vídeo nazista gravado pelo responsável pela Cultura no governo federal.

Se as aulas de história e sexualidade, entre outros temas, já se tornaram um pesadelo para os professores, vítimas de forte patrulhamento de tudo que é lado, de políticos aos próprios alunos, eles tendem a fugir das aulas de religião como o diabo da cruz.

Existem basicamente duas correntes nesse sentido: a que defende o ensino de religiões variadas e a confessional, ou seja, que escolhe uma delas para pregar seus valores. É intensa a polêmica entre os dois modelos, e, atualmente, ambos são permitidos por lei no Brasil e praticados por colégios particulares e públicos. Trilhar qualquer um dos caminhos pode ser um calvário no país da turma da ministra Damares Alves, que lamentou que “deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas”.

Cena do especial de Natal da Netflix 'A Primeira Tentação de Cristo', feita pelo grupo Porta dos Fundos - Divulgação

Mas o tabu religioso está longe de ser exclusividade dos adeptos do autoritarismo. Leva à tentação da censura até quem (quase) sempre é pró-liberdade de expressão.

Na ditadura militar, o renomado jurista Sobral Pinto (1893-1991) tornou-se conhecido por, apesar de seu anticomunismo e de ter apoiado o golpe, fazer a defesa de membros do Partido Comunista, sem cobrar nada por isso, quando eram presos ou censurados. Tornou-se referência no combate à censura.

Mas, após o fim do regime, no período democrático, escreveu ao então presidente, José Sarney, solicitando a proibição no Brasil do filme “A Última Tentação de Cristo”, de Martin Scorsese, de 1988. Católico fervoroso, não admitia um enredo em que Jesus era exposto a tentações mundanas –imagine se tivesse assistido ao do Porta dos Fundos, no qual Cristo é gay e tem namorado, e Deus sussurra no ouvido de Maria que vai esquentá-la com sua barba, propondo que largue José e fuja com ele para um outro planeta.

Naquele mesmo ano de 1988, manifestações, como a passeata de um grupo de mulheres em Belo Horizonte, levaram o presidente Sarney a proibir a exibição de “Je Vous Salue, Marie”, de Jean-Luc Godard, sobre uma jovem estudante chamada Maria que engravida, mas o filho, de nome Jesus, não é de seu namorado, José.

É inevitável, portanto, que o ensino religioso seja uma área sensível na educação, o que mobiliza a busca por regulamentação. A nova Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, que define o conteúdo a ser desenvolvido em cada fase escolar, reforça a necessidade de se respeitar a diversidade religiosa, sem proselitismos, o que já estava previsto na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Ainda que o ensino religioso seja facultativo ao aluno, ele deve obrigatoriamente ser oferecido nas escolas públicas, nas quais, a partir de uma decisão de 2017 do Supremo Tribunal Federal, pode ser confessional.

Não são todos os colégios, no entanto, que oferecem aulas de religião, e muitos que o fazem sofrem críticas e pressões, conforme estudou Gabriela Abuhab Valente, doutora em sociologia da educação pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do ensino religioso nas escolas. Ela aponta que a complexidade do marco legal e a falta de referências pedagógicas nessa área dificultam o trabalho dos docentes, o que representa risco de proselitismo e intolerância, inclusive quando o ensino religioso não faz parte formalmente no currículo. Afinal, ela explica, o tema inevitavelmente perpassa outras disciplinas e as relações no ambiente escolar de forma subjetiva.

Acende-se a bomba no colo dos educadores, por fim, quando o presidente incentiva que se filmem as aulas, cria um canal de denúncia a professores “que atentem contra a moral, a religião e a ética da família” e diz que “o Estado é laico, mas eu sou cristão”.

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