Siga a folha

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

Por que jamais cansaremos de assistir Seinfeld

Série dos anos 1990 nos lembra como é bom rir de nossas imperfeições

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Seinfeld voltou ao Netflix meses atrás, mas essa boa notícia me causou alguns problemas.

O primeiro é que o custo de oportunidade de assistir qualquer outra coisa aumentou muito.

Basta me sentar no sofá para começar a ruminar: "em vez de 'Casamento às Cegas', eu poderia ver pela oitava vez o episódio ‘The Switch’ do Seinfeld". "Essa nova comédia da Amazon é engraçadinha, mas claro que fica longe de Seinfeld."

O elenco de "Seinfeld", série estrelada por Julia Louis-Dreyfus, Jason Alexander, Michael Richards e o comediante Jerry Seinfeld - Netflix

O segundo problema é que vim a descobrir que minha mulher não gosta de Seinfeld. A mulher que eu amo, a mãe do meu filho, a japodeusa, a nipolinda não... gosta... de... Seinfeld.

Veja o leitor a gravidade da descoberta. Sou o perfeito chato do Seinfeld, que não consegue travar mais de dez minutos de diálogo sem comentar "isso lembra aquele episódio do Seinfeld", "isso renderia um episódio do Seinfeld".

Óbvio que assim se desencadeou uma enorme crise conjugal. Depois de muita insistência consegui convencê-la a assistir meus episódios preferidos: aquele em que George "estava na piscina", quando Elaine surta contra todos que admiram o filme "O Paciente Inglês", quando Jerry aceita usar a camisa engomada feita pela namorada de Kramer que fala baixo demais.

Mas nada: minha mulher não soltou sequer uma risadinha de canto da boca, ainda reclamou da claque e disse que as piadas eram bobinhas.

Me revoltei: "Você assiste 'Outlander', aquele romance Julia pra TV, não pode reclamar de nada!". Não quero entrar em detalhes, mas ainda estamos juntando os cacos de louças pela sala.

Assistir Seinfeld em 2022, após três décadas, nos faz lembrar como é bom rir das nossas imperfeições.

Hoje há um costume de dividir as pessoas em santos e demônios: quem não se revela totalmente puro é um pecador que deve ser cancelado e perseguido.

Seinfeld mostra que entre santos e demônios há um largo espaço dos sujeitos comuns, meio invejosos e paranoicos, que se prejudicam por manter preconceitos bobos, vivem um eterno dilema entre o altruísmo e o egoísmo, que amam a namorada (mas você precisa ver a roommate dela).

Seinfeld mostra como a nossa personalidade nos aprisiona. Muitos de nossos problemas se resolveriam se simplesmente enxergássemos o mundo e agíssemos como outra pessoa. Mas não dá: somos fiéis demais ao nosso próprio personagem.

Anos atrás, por exemplo, participando de um festival de literatura da Serra da Mantiqueira, ouvi diversos escritores falarem sobre a importância da literatura, a necessidade de incentivar a leitura nos jovens, como a leitura forma cidadãos conscientes etc.

Aqueles clichês bonitinhos foram me irritando tanto que, na minha vez de falar, disse: "Ler é importante, mas assistir TV também. Eu trocaria metade da literatura brasileira pela sexta temporada de Seinfeld!".

A reação da plateia não foi exatamente positiva; quase todos me vaiaram, metade se levantou e foi embora. Hoje entendo a reação do público: o que eu falei foi um grande equívoco. A quinta temporada é bem melhor.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas