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É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Descrição de chapéu Governo Trump Coronavírus

Em vez de mudar curso da história, jornalista decidiu ocultar o que sabia sobre Trump

Para vender livros, Woodward preferiu guardar por sete meses declaração de que presidente estava ciente da gravidade da pandemia

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Quantas vidas vale uma campanha de reeleição? Quantas vidas vale a criação de um best-seller? Dois milionários merecem ouvir apenas uma das perguntas.

A primeira deve ir para Donald Trump, que, em entrevista por telefone ao jornalista Bob Woodward no dia 7 de fevereiro, afirmou que o coronavírus seria muito mais letal do que o vírus anual da gripe nos EUA.

Sete de fevereiro. Mais de um mês antes de o país começar a fechar, sete meses antes de morrerem 190 mil pessoas no país.

A segunda pergunta deve ir para o milionário Bob Woodward, autor de 19 livros sobre política americana, 13 deles best-sellers, jornalista cuja série de reportagens sobre Watergate, com o colega Carl Bernstein, derrubou o presidente Richard Nixon na década de 1970.

O jornalista Bob Woodward durante evento em museu em Washington - Jim Watson - 13.jun.12/AFP

O que levou um editor do Washington Post, cargo que Woodward ocupa, a manter sigilosa a gravação do telefonema enquanto seus colegas se submetiam à bateria diária de mentiras deslavadas de Trump sobre a pandemia, 6 milhões de compatriotas eram infectados e dezenas de milhões perdiam o emprego?

O áudio do telefonema, divulgado nesta quarta-feira (9), faz parte da bem orquestrada campanha de marketing que costuma preceder os livros de Woodward, cujo novo volume, "Rage" (raiva), só vai ser lançado no próximo dia 15.

O livro se baseia numa série de entrevistas com Trump, entre dezembro de 2019 e julho deste ano, quando o presidente enfrentava a pandemia e os protestos raciais. Woodward acumulou mais de 20 horas de gravação do presidente.

“Foi uma traição de vida e morte ao povo americano”, reagiu, com revolta evidente, o candidato democrata Joe Biden, horas após o áudio do telefonema ser exibido pela rede CNN. Biden destacou sucessivamente o número de vidas que seriam salvas a cada semana de atraso no começo da quarentena e das medidas de emergência sanitária.

O sonho de certos autores de não ficção é Trump detestar um livro e tuitar sobre ele. E o maior ficcionista a ocupar a Casa Branca está atendendo as preces de editoras, numa semana marcada por quatro novos livros sobre o presidente.

Antes de estourarem as revelações de Woodward, o livro do ex-advogado de Trump Michael Cohen liderava as vendas. Em “Disloyal: A Memoir” (desleal: uma memória), Cohen confirma o que Trump não esconde: ele é um racista consumado, corrupto, idolatra Vladimir Putin e tem ambições de continuar indefinidamente no poder.

Outro título é o do ex-agente do FBI Peter Strzok, que lançou “Compromised: Counterintelligence and the Threat of Donald J. Trump” (comprometido: contra-inteligência e a ameaça de Donald J. Trump).

Em 2016, Strzok investigou as ligações da campanha de Trump com um elenco de políticos e gângsteres russos e foi demitido dois anos depois por trocar mensagens anti-Trump com uma colega agente com quem manteve um caso.

Ele afirma que o presidente americano é uma ameaça à segurança nacional devido à corrupção e a seus interesses financeiros.

O livro que recebeu menos atenção é o do jornalista S.V. Dáte, do site Huffington Post, “The Useful Idiot: How Donald Trump Killed the Republican Party with Racism and the Rest of Us with Coronavirus” (o idiota útil: como Donald Trump matou o Partido Republicano com racismo e o resto de nós com coronavírus).

Dáte é um veterano da cobertura política em Washington que gozou de merecidos 15 minutos de fama no dia 13 de agosto pela pergunta que fez a Trump, diante das câmeras, na sala de imprensa da Casa Branca: “Senhor presidente, depois de três anos e meio, arrepende-se de todas as mentiras que contou ao povo americano?”. Trump fingiu não entender e se virou para outro repórter.

Mas é o livro de Woodward que deve sugar todo o oxigênio da atenção até o lançamento. Carl Bernstein, o ex-colega de Woodward, exaltou o livro e afirmou que as gravações citadas vão se mostrar mais graves do que as infames fitas de Richard Nixon admitindo malfeitos e tramando ocultá-los no escândalo Watergate.

“É a narrativa definitiva desta Presidência”, declarou Bernstein, ignorando que Woodward poderia ter mudado pela segunda vez o curso da história, mas decidiu ocultar por sete meses o que sabia.

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