Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.
Desconstrução da vítima torna 'The Undoing' importante e atual
Drama da HBO com Nicole Kidman tem podreira realista sob verniz de novelão
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Há dois jeitos de assistir a “The Undoing”, minissérie a HBO com Nicole Kidman, Hugh Grant e um irresistível Donald Sutherland como uma família rica envolvida em desgraça.
Um é esse mesmo, o suspense novelesco de ricos em desgraça (algo que, como bem notou minha colega Teté Ribeiro, desperta um certo prazer espúrio). O outro, que só emerge depois, é como uma história de julgamento paralelo da vítima, ou suposta vítima, tão comum em crimes que envolvem mulheres e sexo.
O segundo torna “The Undoing” muito mais realista e sintonizada ao nosso tempo do que os figurinos maravilhosos e outros quês de vidas de sonhos que envernizam essa história brutal.
O que move a série não é o esfacelamento da relação entre os protagonistas, tema batido, mas a tentativa de boa parte dos personagens de erodir a imagem de uma mulher adúltera assassinada a marteladas não se sabe por quem.
O que podia ser um clássico “whoddunit”, o subgênero criminal do “quem matou?”, acaba assim ganhando uma perspectiva sociológica tremenda.
Encontrada pelo filho (Edan Alexander) numa poça de sangue, desfigurada, Elena (Matilda DeAngelis) será revirada e questionada também por nós, espectadores, graças à habilidade da diretora Susanne Bier (“O Gerente da Noite”, “Birdbox”) e do roteiro de David E. Kelley (sucesso mais recente em uma longa lista: “Big Little Lies”), que deixam a sanidade e o comportamento da personagem sempre envoltos em ambiguidade.
Séries que tratam de crimes com teor sexual se multiplicaram nos últimos meses, das que mostram como a própria vítima se questiona (“I May Destroy You”) às que escancaram as dificuldades em ser levada a sério (“Inacreditável”). Na maioria delas, a injustiça é clara de início.
Não em “The Undoing” —palavra que significa desfazer em inglês—, onde a desconstrução do caráter da personagem morta e também dos protagonistas culmina na desconstrução das nossas próprias certezas e preconceitos, sem veredito claro até o fim. É uma opção de combate.
Kidman é um das atrizes que têm investido tempo, dinheiro e talento em histórias femininas e feministas, uma mudança de rumo necessária em Hollywood desde a eclosão do movimento MeToo de exposição de assediadores e agressores sexuais, em 2017.
Depois de brilhar como Celeste, a mulher que troca uma carreira bem sucedida por um relacionamento abusivo em “Big Little Lies”, ela construiu uma Grace um pouco mais opaca, mas também cheia de sutilezas em “The Undoing”. Grant é o sujeito simpático e atrapalhado de sempre, com o fato de poder ser um calhorda narcisista somando uma nota mais interessante ao eterno personagem.
Mas é o veterano Donald Sutherland, 85, como o pai ultrarrico e hiperprotetor de Grace, que captura por completo as atenções, cheio de verdades inconvenientes, pragmatismo desumano e ameaças veladas.
Para quem acompanhou recentemente o caso de Mariana Ferrer, humilhada por um advogado, um promotor e um juiz no que deveria ser o julgamento do homem que ela acusa de tê-la estuprado, “The Undoing” soará tristemente realista.
A minissérie chega ao fim daqui a dois domingos, e o fato de a HBO insistir na exibição semanal ajuda a fermentar as expectativas e teorias dos espectadores. Para quem prefere maratona, ainda dá tempo de ver os quatro episódios exibidos e torcer por um desfecho à altura.
Novos episódios “The Undoing” vão ao ar às 23h de domingo na HBO e ficam disponíveis na HBOGo às terças
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