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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

É essencial conhecer os elementos extrarracionais que impactam a ciência

Fatores exteriores ao método científico operam como pressão sobre os profissionais em busca de sobrevivência

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Existe a ciência do senso comum, a ciência praticada por profissionais no dia a dia e a ciência que é objeto da especialidade em filosofia chamada epistemologia. Esta reflete sobre o método científico, a demarcação entre ciência e não ciência, e os elementos extrarracionais que impactam a prática científica.

Epistemólogos são filósofos especializados em refletir sobre a ciência para além do que sua infantaria —pesquisadores e todo o corpo social que se dedica ao cotidiano da pesquisa e aplicação desta— é capaz de fazê-lo, inclusive porque está ocupada com a prática, o ganho financeiro da sua vida, o reconhecimento dos pares, publicação de artigos e garantia de espaços nas instituições financiadoras, que são universidades, fundações ou empresas de capital privado —a "indústria" como é conhecida.

Essa infantaria se caracteriza, às vezes, por desconhecer o que a teoria da ciência —a epistemologia— reflete ao longo das últimas décadas.

Grande parte da epistemologia tem se dedicado a identificar o que seria o método científico. O entendimento básico é: hipóteses, experimentos, verificação ou refutação das hipóteses que se dá via redes de colaboração entrepares e instituições.

Entretanto, tem se tornado cada vez mais importante o estudo dos elementos extrarracionais ao método científico que impactam a materialidade cotidiana da ciência. Quais seriam esses elementos?

Thomas Kuhn (1922-1996) ficou famoso por introduzir no entendimento da ciência elementos exteriores ao método em si. Criador da concepção de paradigma em ciência, e sua quebra —termo que ganhou vida autônoma em palestras motivacionais no mundo empresarial e de coaching—, Kuhn entendia que na ciência não há pessoas nem instituições em busca de descobrir nada de novo, mas apenas profissionais preocupados em reforçar suas posições institucionais e teóricas. As descobertas, as anomalias, acontecem à revelia do paradigma dominante.

Paul Feyerabend (1924-1994), mais radical, afirmava que na ciência não há método algum, mas interesses institucionais, ações isoladas de leigos, vaidades, fatos aleatórios, financiamentos, brigas políticas e similares, que juntos causam o funcionamento da ciência sem nenhuma previsibilidade. Um anarquista em epistemologia.

Bruno Latour, antropólogo, chegou mesmo a propor uma etnologia de laboratório para identificar como funciona o cotidiano comportamental dos pesquisadores e os materiais através dos quais a ciência "avança", para além dos discursos idealizadores da ciência ou o marketing das marcas, entre elas as universidades.

Na prática, o senso comum considera ciência os resultados de exames, vacinas, diagnósticos, aviões, computadores, inteligência artificial, celulares, enfim, produtos da interação entre tecnologia e aplicação útil, mas não entende nada sobre a ciência de fato.

O epistemólogo Imre Lakatos (1922-1974) buscou um "meio-termo" entre o idealismo da ciência pura e o olhar atento de Kuhn e Feyerabend para os elementos extrarracionais que atuam sobre a ciência. Lakatos produziu um dos modelos mais interessantes em epistemologia, que faria muito bem à infantaria da ciência tomar conhecimento, assim como o senso comum que pensa ciência como novas descobertas a cada dia.

A ciência é composta pelo núcleo racional —o método—, um cinturão racional —as teorias científicas dependentes do método— e elementos extrarracionais tais como financiamentos, vaidades, modas teóricas, lutas por espaços institucionais, mercados e reserva de mercados, lobbies que envolvem profissionais das áreas, lutas políticas ideológicas, presença na mídia.

O cinturão racional é poroso. Essa porosidade opera como pressão sobre os profissionais em busca de sobrevivência. Não há ciência pura. Arriscaria dizer que esses elementos extrarracionais, hoje em dia, dominam muito mais o espaço de validação pública do que é ciência por parte do senso comum e dos próprios profissionais do que o núcleo racional. Quanto mais marketing e mídias sociais, menos núcleo racional.

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