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Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Se você espirrar na hora errada, pode ser acusado de ataque à democracia

Se Israel teme um governo religioso engolindo o Supremo, aqui a Corte já foi engolida pelos terrivelmente evangélicos

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Aquele tiozão das redes, especialista amador em epidemiologia na pandemia e que no início de 2022 se tornou especialista amador em geopolítica do leste europeu, agora encontrou nova área de expertise: a reforma judicial em Israel.

Essa turma imagina que Bibi Netanyahu tenha uma foto do Bolsonaro no seu criado mudo, e que sonha em tê-lo como ministro da defesa. Ao contrário de Bolsonaro, o primeiro-ministro de Israel tem uma carreira militar sólida. Participou da libertação dos sequestrados de um voo da extinta Sabena —a aviação belga— no aeroporto de Tel Aviv. Era um comando, um grupo de elite pertencente ao exército de Israel.

Quando seu irmão Ionni Netanyahu foi morto em Entebe em 1976, libertando os passageiros de um voo da Air France sequestrado por terroristas palestinos, Bibi decidiu entrar na política. Seu partido Likud, de centro direita, liberal, secular, foi o protagonista do acordo de Camp David, em que Israel fez a paz com o Egito, patrocinado por Jimmy Carter, devolvendo o Sinai em troca. Menahem Begin, do Likud, era o primeiro-ministro. O Sinai tinha sido ocupado depois da invasão egípcia, e síria, no feriado de Yom Kippur em 1973.

Bibi é um dos magos da transformação de Israel em potência nuclear e econômica. Para montar um governo depois de eleições sucessivas que deram empate, fez a pior coalização dos últimos tempos —com a extrema direita religiosa— e isso foi uma catástrofe.

A reforma judicial em Israel divide o país hoje. Mais da metade dos israelenses entende que ela é necessária, mas a maioria desses não concorda com o modo que está sendo feita porque qualquer um que tenha juízo não confia em partidos de extrema-direita.

Ilustração de Ricardo Cammarota para a coluna de Luiz Felipe Pondé de 31.jul - Ricardo Cammarota

O Supremo Tribunal em Israel faz seu papel de freio e contrapeso ao parlamento —legislativo e executivo são um só. Não há senado e constituição.

Um dos motores da reforma judicial em Israel é a suspeita de que não existam freios e contrapesos efetivos que contenham a Suprema Corte, e, por isso, ela teria se transformado num "gabinete dos seculares" ou num governo paralelo.

Israel no momento vive um conflito grave e profundo entre seus religiosos e seus seculares —mas isso é outro assunto. Por trás do que está acontecendo habita esse conflito.

E nós com isso? As tensões com o Supremo em Israel podem nos servir de oportunidade para pensarmos em nossa própria casa, apesar de sermos um país muito diferente. Israel é rica e cercada de inimigos que querem sua extinção —apesar das mentiras que dizem por aí— e o Brasil é cercado de "companheiros" e sofre de corrupção metastática.

Se os seculares em Israel temem que um governo religioso engula o Supremo, aqui a Corte já foi engolida por terrivelmente evangélicos ou terrivelmente lulistas. Aqui, a Corte, hoje, já é política.

Após as eleições dramáticas em 2022 em que o STF e o TSE tiveram um papel fundamental para a contenção de grupos golpistas, já é hora de alguém dizer para a Corte Suprema que ela deve recuar. O Supremo não governa o país nem foi eleito como representante da população.

Mas, por que ninguém dá um toque neles? Antes de tudo, porque não há freios e contrapesos a Corte no Brasil. O senado seria, mas, como você e eu sabemos, o senado faz sabatinas "amigas" para candidatos ao Supremo. A Corte hoje faz o que bem quiser no país.

Muita gente não crê na imparcialidade jurídica da Corte. Prova cabal dessa desconfiança é que a "branquitude masculina" da sua formação majoritária é objeto a priori de dúvida de muitos. "Que coloquem uma mulher negra" é apenas uma prova, apesar de muito bem disfarçada, de que não se crê na pretensa neutralidade das ações da Corte.

Se você espirrar na hora errada, você poderá ser acusado de ataque a democracia. Esse argumento virou um trunfo para calar a boca dos desafetos do governo. Alguém devia dizer aos membros da Corte Suprema que não devem frequentar eventos, não devem discursar em público, principalmente sobre política, não devem almoçar em restaurantes caros com ricos e poderosos, enfim, devem agira com maior discrição em relação ao fato notório de que são as pessoas mais poderosas da República hoje.

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