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Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

De Garoto a Porfírio do Amaral, festival de filmes revela segredos do samba

In-Edit, em cartaz até 20 de setembro, traz dezenas de filmes com beleza para uma quarentena que dure para sempre

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O samba é triste. Sua tristeza vem de nascença, do umbigo, do parto. “É uma tristeza que vem de longe, vem do lado de lá do Atlântico.”

Quem diz isso é Porfírio do Amaral (1917-2008), compositor que pouca gente conhece. Tanto assim que, no documentário de Caio Rubens sobre o sambista, reproduz-se uma experiência que eu mesmo, fazendo esse artigo, repeti: nem o Google dá informações sobre ele.

Chico Buarque conhece e dá seu depoimento sobre Porfírio. Ouvia rádio nos tempos pré-bossa nova e gostou de “Pedra de Cantaria”, samba que fala de um trabalhador de construção apaixonado por uma moça, que passava sempre pela obra.

Um belo dia a mulher desaparece —e o operário fala de sua saudade. Se visse a moça novamente, “cantaria”. Era um jogo de palavras, lembra Chico Buarque. O samba de Porfírio, naturalmente, haveria de ecoar inconscientemente em “Pedro Pedreiro” e em “Construção”.

O filme de Caio Rubens, que se chama “Porfírio do Amaral: A Verdade sobre o Samba”, mostra diversas músicas dele, lindas e não sei se tristes.

Sei que entristecem. Feitas aí por 1930 ou 1940, trazem a pureza quase rural dos estribilhos doces. Surge aí a afirmação mais masculina, ainda assim suave e requebrada, do solista. “Gabriela”, de 1935, tem uma espontaneidade melódica que impõe, a quem quer que ouça, a vontade de continuar cada frase assim que para.

Ou, como dizia um poema de Mario de Andrade com mais clareza, a gente ouve “uma mazurca tão linda/ que se parasse um bocado, o ouvido cantava ainda”.

Há também “Manuela”, em que Porfírio sofre a separação de seu primeiro amor, aos 21 anos: a amada foi-se embora com outra mulher. Isso, em 1940. A música tem a sutileza da inocência: pede apenas que aquela mulher, que arrancou uma flor de seu jardim, não trate mal aquilo que roubou.

“Porfírio do Amaral”, longa-metragem de Caio Rubens, pode ser acessado por apenas R$ 3 (três!) no site do Festival Internacional do Documentário Musical que vai até 20 de setembro.

Um dos destaques é o longa sobre o violonista Garoto (1915-1955), reconhecidamente um dos gênios da música popular brasileira. Baden Powell, Yamandú Costa, Rafael Rabello, todos reconhecem a maestria desse virtuose, que compôs, entre outras coisas, a melodia de “Gente Humilde”.

No filme de Rafael Veríssimo, acompanha-se a biografia do violonista e compositor, e sua revolta frente às imposições da indústria cultural. Vestia-se de mexicano ou coisa parecida para acompanhar Carmen Miranda no Bando da Lua. Triunfou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com um concerto clássico para violão e orquestra composto para ele pelo maestro Radamés Gnatalli.

Morreu subitamente, sem ter completado 40 anos. Os especialistas mostram, no filme, de que modo ele influenciou a bossa nova, equivocadamente identificada como resultado da influência americana.

Ignorâncias ecoam em ignorâncias. As minhas são imensas nessa área, mas é estranho que o documentário sobre Garoto, mostrando todas as suas inovações, não trate de Villa-Lobos. O “Choros Número 1”, do compositor clássico, foi composto quando Garoto tinha cinco anos de idade.

O acréscimo de técnica instrumental e de sofisticações harmônicas sobre a base chorona já era enorme; será que 40 anos mais tarde os músicos populares ainda não conheciam Villa-Lobos?

Por outro lado, quem sabe o que é samba chula, e sua diferença com o samba cabila? Quem reconhece um tambor onça? Há breves demonstrações de uma coisa e outra nos filmes do festival, assim como se explica o toque de bossa nova implícito em “Garoto”.

Falo só de dois filmes. O festival tem dezenas. Vi um sobre Dorival Caymmi. A ideia de Henrique Dantas é mostrar sua negritude; Caymmi como um orixá, um buda nagô. O ponto é provado satisfatoriamente, mas sem a imaginação visual do filme sobre Porfírio do Amaral.

Não há espaço para comentar o resto: a religião e a música do baiano Mateus Aleluia, que se reencontra em Luanda. A música de africanos que emigraram para o Brasil, em “Afro-Sampas”. Sem contar com a parte internacional, que tem até documentário sobre Charles Aznavour.

Com tanta coisa, há beleza para uma quarentena que dure para sempre.

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