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Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Em defesa do direito de mentir

Falsidades sobre clima se combatem com informação verificável e paciência

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Está certo o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dizer e repetir que o nazismo foi um movimento de esquerda, afirmação com a qual o presidente da República concordou em Israel? Claro que não, factual e moralmente.
 
Todos os que não estiverem cegos pela ideologia de extrema direita cultivada pelos Bolsonaros poderão concordar. Parece que Jair Bolsonaro (PSL) não aprendeu a lição na visita ao Museu do Holocausto, portanto não poderá repeti-la para o chanceler, que de resto não parece inclinado a assimilá-la.

O presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira/Folhapress


 
A questão se complica se alguém defender que eles possam ser proibidos de espalhar falsidades, como tem sido a prática em tantos tuítes do mitômano-em-chefe. Adianto aqui a conclusão: eles, assim como todo mundo, têm o pleno direito de mentir.
 
Justifica-se a discussão aqui, numa coluna sobre ciência, porque ela tem tudo a ver com um assunto em que bolsonaristas (e alguns ex-comunistas) tampouco lidam bem com fatos e evidências: a mudança climática turbinada pelas emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases do efeito estufa emitidos por atividades humanas.
 
Ruralistas, ultraliberais e antiglobalistas —​para nada dizer dos simples ignorantes e malucos—​ bebem com sofreguidão a beberagem servida pelo físico e meteorologista Luiz Carlos Molion em palestras populares no Centro-Oeste sojeiro. Todo mundo de pileque, deitando falação sobre o que desconhecem.
 
Aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em 1995, o último trabalho científico de Molion saiu em 2017, segundo o próprio currículo Lattes. Ali também aparece listado como um de seus dois livros o título “Os Segredos da Cerveja Caseira”.
 
Molion afirma há décadas que não existe aquecimento global e que o clima planetário não sofre influência do CO2. Está em franca contradição com o que atesta, inclusive por meio de copiosas medições, a imensa maioria dos pesquisadores ativos e produtivos no ramo da climatologia.
 
Isso não o impede de seguir repetindo afirmações rejeitadas por seus pares, que de resto não o reconhecem como tal. Colegas do tempo de Inpe nem aceitam mais debater com Molion. Mas ele encontra ouvidos atentos no Planalto e seu entorno inebriado.
 
No Reino Unido, o “think tank” Global Warming Policy Foundation-GWPF (fundação de políticas de aquecimento global) especializou-se em questionar a ciência que afirma ser a mudança climática uma realidade. Seus militantes são o que se chama, equivocadamente, de céticos, em realidade os negacionistas qualificados por Naomi Oreskes como “mercadores da dúvida” num livro obrigatório de mesmo título.
 
A GWPF vem sendo acusada de distorcer a ciência do clima. David Whitehouse (que não se perca pelo nome), membro do conselho acadêmico, defendeu em comunicação pessoal ao Comitê de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Comuns que distorcer informação é algo legítimo numa sociedade livre.
 
“Alguns argumentam que a liberdade de expressão não abrange engabelar o público fazendo afirmações factualmente imprecisas”, escreveu. “O ponto importante, e foram necessários milênios e muitas vidas para atingi-lo, é que o princípio da liberdade de expressão não implica que se tenha de ser factualmente preciso.”
 
Concordo com Whitehouse. Não com o conteúdo mentiroso, falsificador, vil, odioso e ultrajante do que ele e seus correligionários obscurantistas tenham a dizer sobre o clima, lá ou aqui, mas só com seu direito inalienável de, confessadamente, buscar enganar o público.
 
O mesmo direito assiste a Bolsonaros, Ernesto Araújo e Luiz Carlos Molion. Falsificações se combatem com informação verificável —​e paciência.

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