Todos nós podemos escolher o que ver e para onde dirigir nossa atenção. Considere os acontecimentos que jovens protagonizaram entre quarta e sexta-feira (13 e 15), no Brasil, na Nova Zelândia ou alhures: vamos tratar do clima de medo ou de medo do clima?
Pode parecer alienação patológica deixar de falar dos tiroteios na escola de Suzano, ou na mesquita de Christchurch. Mas o que tem a ciência a dizer de esclarecedor sobre essas ações desatinadas?
Quase nada. A desrazão tem muitas razões, e é provável que a maioria delas, se não todas, tenha morrido para o conhecimento na companhia dos atiradores que saíram da vida para entrar na história da infâmia.
Voltem-se então os olhos para o que mais aconteceu na sexta-feira: uma greve mundial de jovens estudantes contra a inação diante da mudança do clima. Sobre isso a ciência tem muito a dizer, já disse e vai continuar dizendo, mas os adultos não querem ver nem ouvir.
Rapazes e moças que vão sofrer as consequências da omissão se puseram então a gritar. Em mais de 2.000 cidades de 123 países. Em Paris foram 30 ou 40 mil. Dezenas de milhares de neozelandeses foram às ruas em Auckland, Wellington e outras cidades, assim como colegas australianos em Sydney e Melbourne.
No Brasil, havia manifestações programadas em 24 locais. Em São Paulo, seria no vão livre do Masp às 14h de sexta, mas às 17h não se achavam notícias na rede sobre o evento. Foto batida em Recife mostrava uma dezena de pessoas, algumas delas mães ou professoras.
Compreende-se que jovens brasileiros estejam macambúzios na semana em que cinco deles foram mortos em Suzano e em que se completou um ano do assassinato de Marielle. Mas a ciência não para, e nem todos os países estão mergulhados numa violência —sangrenta ou verbal— como a que inunda o Brasil.
Não faltaram notícias sobre a mudança do clima e o que (não) se faz para combatê-la. A iniciativa Carbon Brief atualizou um mapa compilando 230 estudos científicos sobre eventos meteorológicos, da seca no Nordeste brasileiro a furacões no Caribe, e o que eles dizem sobre suas causas naturais ou antropogênicas (provocadas pela atividade humana).
De acordo com o levantamento, 68% desses extremos climáticos tiveram a gravidade aumentada, ou sua própria ocorrência tornada mais provável, pelo aquecimento da atmosfera induzido pelo acúmulo de gases do efeito estufa emitidos na queima de combustíveis fósseis e florestas.
Outro relatório, das Nações Unidas, trouxe prognóstico sombrio para o setor que mais se aquece no planeta, o Ártico. Mesmo que se cumpram as metas de redução de gases do efeito estufa previstas no Acordo de Paris (2015), algo improvável, a região que circunda o polo Norte se aqueceria de 5ºC a 9ºC até o fim do século. Uma enormidade.
O grande receio vem do permafrost, solo que tradicionalmente permanecia congelado mesmo durante o verão. Há cada vez mais áreas em que ele está derretendo, o que permite a liberação de metano –um poderoso gás-estufa– ali retido após a decomposição anaeróbica de matéria orgânica.
É o que se chama de feedback positivo: uma mudança ocasionada pelo aquecimento da atmosfera induz outras mudanças que o aceleram. Ou reação em cadeia, se preferir. Detalhe: se as geleiras da Groenlândia e da Antártida continuarem a derreter, vai faltar praia no Brasil para a moçada se bronzear.
A semana, contudo, também teve boa notícia. Ao menos uma: Greta Thunberg, 16, estudante sueca que iniciou a greve mundial contra a mudança do clima, foi indicada para o Nobel da Paz. Será imprescindível ela ganhar para que todos comecem a enxergar algumas décadas à frente do nariz?
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