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Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Conter a China não é uma opção viável

Esse é um dos poucos pontos em que o governo de Joe Biden e o de seu antecessor tendem a concordar

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Como os Estados Unidos devem reagir à ascensão da China? Essa é uma das maiores perguntas que o novo governo dos Estados Unidos enfrenta.

​Muitos americanos afirmam que uma forma de contenção é factível. De fato, esse é um dos poucos pontos em que o governo de Joe Biden e o de seu antecessor tendem a concordar. Pode-se também ver a vantagem política: inimigos comuns podem unir um país dividido. Mas essa é realmente uma política viável? Acredito que a resposta é não.

Tal visão essencialmente de soma zero do relacionamento EUA-China é expressa por Clyde Prestowitz em "The World Turned Upside Down: America, China, and the Struggle for Global Leadership", recém-lançado. Ele insiste que "não há disputa entre a população chinesa e a dos Estados Unidos".

Sua objeção é sobretudo ao Partido Comunista. Uma visão semelhante infunde o texto "The Longer Telegram", do Atlantic Council, escrito por uma anônima "ex-autoridade graduada do governo" (em referência ao célebre longo telegrama de George Kennan de fevereiro de 1946, que propunha a contenção da União Soviética).

Como os Estados Unidos devem reagir à ascensão da China? Essa é uma das maiores perguntas que o novo governo dos EUA enfrenta - REUTERS


Este também declara que "o desafio isolado mais importante que os EUA enfrentam no século 21 é a ascensão de uma China cada vez mais autoritária sob o presidente Xi Jinping". O desafio, segundo ele, não é a China, mas seu Estado despótico.

Eu simpatizo com o nervosismo que permeia essas publicações. Os atos da China em Xinjiang e Hong Kong salientam seu desprezo pelos direitos humanos e os acordos internacionais. Pequim ameaça a autonomia de fato de Taiwan e está expandindo sua influência sobre o Mar do Sul da China. Em suma, a China se comporta cada vez mais como uma grande potência em ascensão dirigida por um déspota impiedoso e efetivo.

"The Longer Telegram" afirma que a ameaça da tentativa chinesa de alcançar a dominação global deve ser enfrentada defendendo uma longa lista de interesses vitais dos EUA: manter a superioridade coletiva econômica e tecnológica; proteger a posição global do dólar americano; manter a dissuasão militar avassaladora; evitar a expansão territorial chinesa, especialmente a reunificação forçada com Taiwan; consolidar e expandir alianças e parcerias; e defender (e, se necessário, reformar) a ordem internacional liberal baseada em regras. Mas, simultaneamente, o texto pede que se abordem ameaças globais comuns, notadamente a mudança climática.

Tudo isso é alcançável? Não, acho que não.

Primeiro, a China é um adversário muito mais poderoso que a União Soviética. Ela tem uma economia muito mais bem sucedida, um setor tecnológico mais dinâmico, uma população muito maior, uma sociedade mais coesa e um governo muito mais competente. O desempenho econômico relativo da China tem sido surpreendente.

Mais importante ainda é seu potencial. A China enfrenta enormes desafios econômicos. Mas não precisa administrar todos eles muito bem para ter a maior economia do mundo. No presente, a produção per capita da China (em paridade do poder de compra) é um terço da dos EUA (contra 8% em 2000) e a metade da da União Europeia. Suponha que isso aumente para apenas a metade do nível dos EUA até 2050. Então, a economia chinesa seria tão grande quanto a dos EUA e a da Europa juntas.

Segundo, a economia chinesa é altamente integrada no plano internacional. Embora isso seja uma fonte de vulnerabilidade para a China, também é uma fonte de influência. O mercado chinês exerce uma atração magnética sobre uma série de países do mundo todo. Como salienta o acadêmico singapuriano Kishore Mahbubani, a maioria dos países quer ter boas relações com os EUA e com a China. Eles não escolherão os EUA contra a China.

Finalmente, nas últimas duas décadas e especialmente nos últimos quatro anos os EUA devastaram sua reputação de bom senso, decência, confiabilidade e até respeito às normas democráticas básicas. Isso importa porque seus aliados serão cruciais na disputa imaginada.

Como afirma Jonathan Kirshner, "o mundo não pode não ver a presidência Trump", especialmente seu fim desonroso. Pior, esse aspecto dos EUA evidentemente continua vivo. Os EUA costumavam falar sobre a necessidade de a China ser um "participante responsável". Mas depois da arrogância do "momento unipolar", a guerra do Iraque, a crise financeira e a presidência de Donald Trump, os EUA são um participante responsável?

Isto não pretende recomendar o desespero. É reconhecer a realidade. Então o que se pode fazer?

Primeiro, os EUA e seus aliados precisam revitalizar suas democracias e suas economias. Quanto a estas, eles realmente precisam proteger sua autonomia tecnológica. Mas a maneira mais importante de fazer isso é revitalizando a informação científica e tecnológica, incluindo a reformulação da educação e incentivando a imigração de pessoas talentosas.

Segundo, eles precisam defender os valores centrais de respeito à verdade e à liberdade de expressão contra todos os inimigos, domésticos e estrangeiros (incluindo a China). Eles devem, além disso, unir-se ao fazê-lo. A China não deve ter espaço para espicaçar e provocar países menores, um por um.

Terceiro, eles precisam reformar as instituições da economia global que criaram e propor novas regras multilaterais que delimitem o comportamento da China e pelas quais eles também devem ser delimitados.
Quarto, os EUA e seus aliados precisam deixar claro quais interesses cruciais eles defendem, se necessário pela força.

Último e mais importante, eles devem enfocar a atenção, como fez Biden agora, sobre o projeto comum de proteger os bens comuns globais para todos nós.

O relacionamento dos EUA com a China não é igual ao que existia com a União Soviética. Sim, haverá muita concorrência, mas também deve haver profunda cooperação. Na medida em que há uma guerra de ideologias, a liberdade e a democracia do Ocidente continuam mais atraentes. O verdadeiro desafio que eles enfrentam não é a China, mas restaurar esses valores em casa.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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