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Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Guerra na Ucrânia deixa Putin encurralado entre tragédias

Presidente pode realizar sua fantasia de arranjo imperial, mas terá de explicar o que pretende fazer com o resto

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A guerra na Ucrânia chegou à sua primeira encruzilhada. A expectativa de Moscou, que invadiu com mais de 150 mil homens, era que Kiev caísse rapidamente e que um governo fantoche assumisse numa questão de dias. Mas surgiram obstáculos.

O primeiro foi o duplo movimento de resistência ucraniana e engajamento ocidental. Apesar das previsões que o condenavam a um fim melancólico, Volodimir Zelenski, o ator convertido em presidente, soube divulgar na perfeição a situação de seu país e de seu povo com vídeos que viralizaram pela combinação inusitada de tom marcial, medo existencial e um jeitinho de série televisiva.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin - Sergei Guneyev/AFP

Em algumas horas, os formadores de opinião ocidentais, estimulados pela euforia nas redes sociais, construíram coletivamente uma novela épica que tem como protagonista o "Churchill ucraniano". Zelenski se encontrou no seu novo papel, e o público, ainda em transição pandêmica, abraçou o conforto da ficção em vez da dura realidade —a chegada de tanques russos a Kiev em menos de três dias de combate. Os EUA, em comparação, demoraram vinte dias para ocupar Bagdá.

O fato é que a chama da resistência obrigou o bloco ocidental, inicialmente paralisado pelas divisões entre os seus membros, a reagir.

Italianos e belgas deixaram de lado a baixaria de barganhar exceções para suas exportações de artigos de luxo nas negociações sobre sanções. A Alemanha basicamente reescreveu toda a sua política externa no espaço de dois dias. O Reino Unido aceitou romper com os oligarcas russos que alimentavam a sua economia. Os americanos, que desertaram Kiev na primeira oportunidade, agora se vendem como líderes e jogaram a carta de um ataque ao Banco Central russo.

Os mais assanhados falam até em armar os militares e civis ucranianos.

No final, quando ninguém acreditava, os ocidentais desencadearam o que pode vir a ser o bloqueio geoeconômico mais sofisticado da história moderna. O comandante de um Exército invencível deixou um comediante munido de um smartphone escrever a história da sua guerra.

Vladimir Putin ainda tem chances reais de realizar a sua fantasia e incorporar a Ucrânia em um arranjo imperial sob os aplausos do que resta dos seus aliados. Mas depois terá de explicar aos russos e aos povos subjugados o que ele pretende fazer desse pântano desconectado do sistema financeiro.

Incrivelmente, esse é o melhor cenário. No pior, ele terá de lidar com o arrastamento do conflito e a explosão da dissidência interna. Ameaçado, Putin poderá tentar expandir a guerra além-fronteiras.

O que é certo é que, diante do avanço da destruição de Kiev, o Putin valentão contra o imperialismo americano, que ainda mora em alguns corações, será definitivamente substituído pelo Putin senhor de Guerra de Grozni e Aleppo, que bombardeia os povos até a submissão.

Quando isso acontecer, ninguém vai mais lembrar dos planos maquiavélicos da Otan, das maldades de Biden ou das artimanhas de Zelenski. Porque a morte é um fardo que um homem carrega sozinho. E a loucura da guerra deixou Putin encurralado entre duas tragédias.

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