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Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Qatar segue lógica do 'falem mal, mas falem de mim'

País quer se tornar capital do Oriente Médio e trata Copa como instrumento de geopolítica

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Com um território que caberia no eixo São Paulo-Campinas, o Qatar passou de um porto humilde a uma das capitais da opulência da globalização em menos de três décadas por obra dos recursos naturais e do Kafala, o sistema de trabalho predatório legado pelo colonialismo britânico. O apetite pelo desenvolvimento levou à formação de uma Babilônia moderna, onde 80% da população é composta por nepaleses, indianos e outros tantos que vivem como cidadãos de segunda classe.

Ensombrado pela vizinha Arabia Saudita e perturbado pelo Irã e Iraque, o Qatar vive obcecado com a sua autonomia desde a sua independência, em 1971. Na década de 1990, em busca de proteção e luz própria, o emir ofereceu uma base aos Estados Unidos para conduzir operações militares e criou o maior grupo de comunicação do Oriente Médio. A Al-Jazeera permitiu ao seu governo contar a sua própria história sobre a Primavera Árabe anos mais tarde.

Homens eram a enorme maioria da torcida do Qatar no jogo contra o Equador, em Al Khor, durante a Copa do Mundo - Karim Jaafar - 20.nov.22/AFP

Diante do colapso da Síria e do Iraque, o Qatar se posicionou como referência do Golfo Pérsico junto com os Emirados Árabes Unidos, com quem ele alimenta uma dinâmica de sintonia e competição.

Em 2010, o Qatar se aproveitou da mercantilização total da Fifa sob Joseph Blatter e garantiu uma improvável organização da Copa do Mundo. Mas a audácia deixou o país vulnerável. Liderados pela Arábia Saudita, os rivais regionais tentaram isolar o país comercialmente de 2017 a 2021.

Na Europa, as relações de poder do emir começaram a ser escrutinadas. O jornal Le Monde revelou que o governo de Nicolas Sarkozy negociou o apoio da candidatura do Qatar pela compra de 50 aviões Airbus produzidos em Toulouse por US$ 20 bilhões.

Para garantir o sucesso da Copa, o Qatar investiu numa das maiores operações de comunicação política da história. Uma armada de marqueteiros, consultores e assessores de comunicação foi espalhada pelo mundo para defender os méritos do Qatar. Antropólogos foram contratados para mostrar a importância do futebol para a identidade nacional. Estrelas do futebol, como David Beckham, passaram a atuar como embaixadores. A aquisição do Paris Saint-Germain, da marca Neymar, e, não menos importante, da BeIN Sports, a maior transmissora de esporte no Oriente Médio e na África, foram os marcos mais importantes desse processo.

Algumas questões, no entanto, foram irremediáveis. Em plena crise energética, com o Paquistão tendo que racionar o gás natural, o sistema de refrigeração para os estádios do "Doutor Refresco" não é mais visto como um milagre tecnológico, mas como um atentado climático.

As imagens das arquibancadas do estádio na partida de estreia, Qatar x Equador, lotadas por homens deixaram o público mundial constrangido. Afinal, as mulheres representaram 40% da audiência da última Copa do Mundo, e a importância do futebol feminino cresceu exponencialmente nos últimos anos.

No fundo, tudo isso pouco importa porque o Qatar segue à risca a lógica do "falem mal, mas falem de mim". A organização do maior evento do mundo é uma demonstração de poder que consolida a sua reputação de capital do novo Oriente Médio. Esta Copa, mais do que as outras, é antes de tudo um instrumento de geopolítica.

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