Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.
Série da Globo mostra o melhor e o pior de Galvão Bueno
'Galvão: Olha o que Ele Fez' vai muito além da bajulação
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Documentários de caráter biográfico sobre figuras vivas dependem basicamente de dois aspectos: amplo acesso ao personagem e a intenção de mostrá-lo de forma multidimensional. Foi preciso que Galvão Bueno deixasse de ser o principal narrador da Globo para que ganhasse uma série à altura de suas contradições.
Em cinco episódios, "Galvão: olha o que ele fez" é abertamente uma homenagem ao narrador que foi a voz da Globo por 41 anos, mas vai além da bajulação. Em momentos significativos, os diretores Gustavo Gomes e Sidney Garambone expõem o protagonista como uma figura incontrolável e desrespeitosa com os colegas de trabalho, tanto de nível hierárquico inferior quanto superior.
Numa recente entrevista ao podcast Flow, Galvão observou: "Eu acho que eles exageram um pouco em uma parte… Eu não vi antes, não vi nada, deveria ter visto, porque eu cortaria uma coisinha ali. É que no quarto episódio parece que sou meio monstro mesmo".
O episódio em questão traz as vozes de inúmeras pessoas próximas, em sua maioria ex-funcionários da Globo. Os depoimentos mostram que o sucesso alcançado a partir de meados da década de 1990 tornou o narrador uma pessoa insuportável.
Dito de forma delicada por seu amigo Tino Marcos: "Ele não é uma pessoa fácil". Como observa Boni, Galvão seguiu, de forma consciente ou não, a ideia de que faz mais sucesso quem é temido do que quem é querido.
Luiz Fernando Lima, diretor de Esportes da Globo na época da Copa de 2002, dá o depoimento mais contundente sobre como o narrador se portava antes de iniciar uma transmissão: "Infernizava todo mundo, criava um clima horroroso na cabine", diz. "Para o público, estava tudo maravilhoso, mas nos bastidores o comportamento do Galvão tinha sido uma coisa absolutamente destruidora para quem estava em volta".
Lima revela uma conversa com Galvão após a conquista do penta, em Yokohama. "O que você achou?", perguntou o narrador. "Essa Copa foi maravilhosa", respondeu o executivo. "Mas a única coisa que talvez tenha faltado foi eu te dar um soco em determinado momento para você entender que estava indo além demais."
Outro mérito de "Galvão: olha o que ele fez" é expor sem meios-tons os conflitos que o narrador teve ao longo da carreira com figuras importantes do mundo esportivo. Quatro delas, Neymar, Felipão, Nelson Piquet e Renato Mauricio Prado, se recusaram a dar depoimentos.
A série do Globoplay evita, porém, abordar outro aspecto delicado da trajetória do narrador, o que Tino Marcos certa vez chamou de "ligações perigosas" de Galvão com Ricardo Teixeira e J. Hawilla (1945-2018), ambos acusados de inúmeros negócios escusos no mundo do futebol.
Ainda assim, "Galvão: olha o que ele fez" é uma série surpreendente, que ajuda a explicar como ele se tornou o maior narrador esportivo da televisão, com um alcance e um poder que nenhum outro jamais teve.
Outra série documental recém-lançada que surpreende, apesar de tratar de um tema já muito explorado, é "O Caso Escola Base", disponível no Canal Brasil.
Além de Valmir Salaro, que reconheceu seu erro num documentário recente, outros repórteres e âncoras admitem falhas cometidas durante a cobertura do caso, em 1994.
Um dos trunfos da série, dirigida por Paulo Henrique Fontenelle, é o resgate de um depoimento de Jorge Miranda Jordão (1932-2020), então editor-chefe do Diário Popular, que se recusou a publicar a denúncia por julgá-la inconsistente. Foi o único veículo de comunicação relevante que adotou tal procedimento.
Por fim, Fontenelle lembra que as lições da desastrosa cobertura não foram aprendidas. De passagem, o diretor registra o festival de fake news abraçado por parte da mídia nos últimos anos, em especial durante o governo Bolsonaro.
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