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Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Cuidar uns dos outros

É preciso fazer mudanças para evitar destruição de uma das bases da sociedade moderna, a confiança mútua

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Existe uma insatisfação e desconfiança generalizada em vários cantos do mundo. A ansiedade e raiva crescem juntamente com a sensação de insegurança, ampliação da polarização e constatação das injustiças sociais. Isso se reflete na política, mídia e discursos.

Trabalhadores estão preocupados com a possibilidade de não conseguirem garantir condições mínimas de subsistências para suas famílias. O avanço da automação deixa dúvidas sobre o futuro do trabalho.

Muitos estão decepcionados. Governos ineficientes e corruptos geram descrença em relação à capacidade de o Estado induzir o progresso. As demandas individuais relacionadas à educação, saúde e bons empregos são maiores do que várias sociedades estão oferecendo.

Pessoas em situação de rua são vistas no centro de São Paulo - Nelson Almeida - 8.fev.2022/AFP

A pandemia contribuiu para aumentar o descontentamento. Trabalhadores considerados como essenciais, porém, muitas vezes mal remunerados, foram expostos a maior risco. Milhares morreram. O debate sobre desigualdades ganhou força.

Como resultado da obediência às instituições esperamos melhores oportunidades e que nossos esforços se reflitam em maiores retornos. Porém, isso tende a ocorrer somente para parcela da população.

Para o resto, as perspectivas de avançar na vida são limitadas. A conscientização de tal fato amplia a frustração coletiva. Muitos percebem ao longo de suas vidas que não têm boas alternativas para moldar o próprio destino. Culpabilizar os outros e a falta de oportunidades é uma das novas tendências.

Deste modo, tem-se que uma das marcas atuais é o ressentimento entre os mais variados grupos. Isso cria um ambiente fértil para agitações sociais e rupturas institucionais. Nesse contexto, aumenta-se a pressão para repensarmos o funcionamento das sociedades e o cuidado que temos com as pessoas.

Mesmo que inconsciente, todos os dias, cuidamos uns dos outros. Pagamos impostos que serão usados para ajudar pessoas que nunca veremos. Em troca, tem-se a expectativa de receber os benefícios de uma vida em sociedade.

Durante grande parte da história, as mulheres ficaram responsáveis por cuidar dos filhos. Com os novos papéis assumidos por elas na sociedade, muitas estão tendo dupla jornada de trabalho. Além disso, ter filhos tende a punir a carreira daquelas com maior nível educacional. Na falta de amparo, muitas estão desistindo de se tornarem mães.

Para aquelas de baixa renda, o cenário é outro. Várias não possuem meios suficientes para planejar a reprodução e acabam tendo mais filhos do que gostariam. As crianças nascidas nessas famílias sofrem com a falta de cuidado.

Exigir dos governantes programas de planejamento familiar mais efetivos, educação pública de qualidade e políticas que gerem a inclusão produtiva de suas famílias é uma das formas possíveis de ajudar a cuidar dessas crianças.

Os idosos também precisarão de maior apoio. Com o envelhecimento da população, haverá maiores gastos com saúde e trabalharemos mais tempo. Muitas das nossas competências ficarão obsoletas com o avanço do progresso tecnológico e altos investimentos na requalificação da população serão necessários.

O cuidado com as pessoas se estende em várias outras dimensões. Cada país desenvolveu soluções alternativas para cuidarmos uns dos outros. Entretanto, muitas respostas ficaram ultrapassadas. Consideráveis mudanças deverão ser feitas para evitar o avanço da destruição de uma das bases das sociedades modernas, ou seja, a confiança mútua.

Essa coluna foi inspirada no livro Cuidar uns dos Outros: Um novo contrato social, de Minouche Shafik, diretora da London School of Economics and Political Science. Tive a oportunidade de entrevistá-la no programa Roda Viva. Deste modo, para manter a tradição de terminar a coluna fazendo homenagem a alguma música que, em certo sentido, dialoga com o texto, acho natural escolher Roda Viva, composta por Chico Buarque, interpretada por Francisco, el Hombre.

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