Siga a folha

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

Descrição de chapéu Relacionamentos

Ruby e Setzer no reino dos peludos

A história de amor de um casal que faz parte do Furry Fandom

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

"Ai, vocês vão se dar super bem, ele é furry!" A amiga da tradutora Ary Sousa, 38, estava certa. Ela se deu tão bem com o assistente operacional Ivo Filgueiras, 38, que acabou fazendo duas coisas que mudariam sua vida para sempre.

A primeira foi subir no altar com o rapaz de cavanhaque e sorriso tímido, em 2013, metida num vestidão branco de cauda, tudo como manda o figurino da Igreja Católica. A segunda, entrar de cabeça no universo que tanto encantava o marido, o Furry Fandom, comunidade de fanzocas das artes antropomórficas. Reino de fãs dos peludos é uma tradução possível.

A tradutora Ary Sousa, 38, e o assistente operacional Ivo Filgueiras, 38, incorporados nas fursonas Ruby e Siljuelas - Arquivo pessoal

Outra forma de descrevê-los: pessoas que criam um personagem de pelúcia meio animal, meio humano, e que gostam de se fantasiar como eles. Mickey, Pato Donald, Pernalonga eram todos como os seres híbridos que sua tribo emula, explica Ary.

Ary, aliás é seu nome "na vida real". Nesse mundo de fantasia, pode chamá-la de Ruby. Sua fursona (a persona furry bolada por ela) é uma raposa dragão. O traje mescla pelagem castanha, vermelha e vinho. É um tipo canino com as asinhas da figura mitológica.

"Minha cor favorita é rosa, mas numa fursona não ficaria legal, não daria o sentimento que eu gostaria. Vejo a Ruby como expressão do que sou: agitada, expansiva, falo alto. Rosa era muito meigo, fofinho."

Tinha uma pedra no caminho. "Tenho uma lembrança de infância do brinco de rubi que ganhei do meu pai. Nem serve mais, é pequenininho." Daí a ideia de batizar sua personalidade peluda com o termo em inglês para a pedra preciosa.

A tradutora Ary Sousa, 38, e o assistente operacional Ivo Filgueiras, 38, se conheceram em 2010 e hoje participam juntos da comunidade furry do Brasil, a cultura que adere a personagens animais ficcionais. A fursona (personagem) dela se chama Ruby, a dele, Setzer - Arquivo pessoal

A fursona de Ivo é o Setzer, homenagem a um personagem de videogame. Mas Setzer não tem uma fursuit (a indumentária de pelúcia) próprio. Em eventos, vai vestido com a fantasia que comprou de um amigo e chamou de Siljuelas. Lembra um gambá do mato.

Alguns desses trajes podem custar o valor de um carro popular, diz Ary. Difícil um minimamente ok sair por menos de R$ 10 mil. Mas não dá para precificar a sensação gostosa que é "ficar brincando de faz de conta", um escape que a tradutora compara a jogar RPG. Também tem o autocuidado envolvido. "Compro até roupa para a fursuit. Já comprei saia, blusa, maiô."

Ary curte há tempos eventos de anime. "Sempre gostei muito da neko", conta. Vê-se muitas pelas ruas da Liberdade, o bairro japonês de São Paulo: pessoas fãs desse híbrido ficcional de felino e humano. "A menininha com orelhinha de gatinho, rabinho e luvinha", ela resume.

A amiga que a apresentou ao futuro marido, e que depois virou madrinha do casamento, apostava que eles se entrosariam. Bingo.

Um dia Ary e Ivo saíram com a mesma galera, um empório em Santos, desses com comida de barzinho. Já sabiam que a amiga de ambos estava fazendo cosplay de cupido. Ficaram sem graça, um em cada ponta da mesa.

Certa hora, acabaram sentados lado a lado. "Ele falou de um game que eu amo, o Samurai Shodown, um jogo de luta." Golpe certeiro. "A gente trocou contato e começou a conversar pelo MSN." Aos jovens: ela se refere a um paleozoico aplicativo de conversa, um vovô do WhatsApp.

O primeiro beijo demorou. Ary e Ivo saíram duas vezes antes. Na terceira, foi ela quem partiu para o ataque. "Ele era muito tímido. Pensei, poxa, até agora nada. Não aguentei e dei um beijo. Falei, ‘ai, tava demorando muito’."

Demorou também para voltarem à Brasil FurFest, ou BFF, que também é a sigla em inglês para "melhores amigos para sempre". A convenção dos furries acontece no próximo fim de semana, em Santos, sob o mote "A Fantástica Fábrica de Chocolates".

Ary está confiante de que a vida ficará doce de novo após duas edições perdidas para a pandemia. Já são cerca de 700 inscritos, diz ela, que é vice-presidente do evento.

Mais azeda foi a reação de seu pai quando viu pela primeira vez a filha e o marido com suas respectivas fursuits. "Ficou irritadíssimo, achou que era besteira total. Tipo uma infantilidade, sabe?" Ela fingiu que a zanga paterna não era com ela.

Para a quase quarentona, a vida a dois é melhor com o Furry Fandom. Só não quer saber de sexo animal, brinca. É um preço que definitivamente não está disposta a pagar. "Sabe quanto custa uma fursuit? É muito caro e muito quente. Deus me livre!"

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas